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Postado em 08/09/2014 - 7:13
Fantasias da mediação
Exposição de arte e tecnologia na Alemanha revela as ideologias escondidas atrás das interfaces amigáveis

O Festival de Linguagem Eletrônica continua a todo o vapor na cidade de São Paulo, conduzindo os visitantes a experimentarem as dores e os prazeres de interagir com objetos estéticos construídos com traquitanas eletrônicas. É uma forma de arte que já conquistou seu espaço vital no sistema das artes, inclusive dando margem para o surgimento de uma crítica dirigida tanto às produções como às atividades curatoriais.

Legenda: It’s Alive! (2010-13), de Genetic Moo. A associação entre feedback óptico e programas generativos proporcionam uma interface “viva”.

A partir daí que começa a fazer sentido mencionar outras exposições nessa linha, mesmo as que acontecem fora do Brasil. É o caso de Beyond the Interface, mostra de arte e tecnologia que abre dia 10/9 na Universidade Técnica de Munique, Alemanha (o evento é parte do ISMAR 2014, ou International Symposium on Mixed and Augmented Reality).

A exposição, com curadoria de Marc Garrett e Julian Stadon, pretende demonstrar que as interfaces da computação contemporânea são metáforas ideológicas de uma doutrina que refreia os sistemas abertos, propagando, ao mesmo tempo, as maravilhas de uma affordance “amigável”. Não é de se estranhar que a empresa que mais aposta em soluções integradas de interatividade, “sem-costuras”, é a que mais prega os benefícios dos sistemas fechados. Estamos falando, claro, da Apple, conhecida por suas “inovações” no campo da interação humano-computador.

Uma exposição de artemídia sobre interfaces vem sempre a calhar. Em 2006, o Itaú Cultural lançou um evento artístico justamente para discutir a questão da interação computacional, seja homem-máquina, ou máquina-máquina. Mas não tinha um componente político, já que focava, de fato, em três tipos de realidade: o mundo, o sujeito e o objeto intermediário entre o mundo e o sujeito, cuja primeira forma é a do objeto técnico.

 

Capa do livro de Emerson, de 2014 [Foto: Divulgação]
Em Beyond the Interface há, sim, uma reflexão mais “ativista”, lembrando que o conceito que a fundamenta foi extraído de Reading Writing Interfaces, livro de Lori Emerson que oferece uma compreensão crítica dos sistemas da pós-modernidade e uma conseqüente reavaliação da relação dos sujeitos e as novas tecnologias de comunicação.

Legenda: Documentário sobre Border Bumping (2013), projeto de Julian Oliver

Os trabalhos presentes na mostra são assinados por Erica Scourti, Jennifer Chan, Branger_Briz, Mez Breeze, Heath Bunting, Pierre Proske, Genetic Moo, Zach Blas e Julian Oliver. Este último, um artista-hacker já mencionado pela seLecT em outras ocasiões, participa com Border Bumping, apresentado no espaço expositivo na forma de documentário. Trata-se de um projeto sobre como as redes de telecomunicações estão estabelecendo novas configurações territoriais, criando jurisdições indefiníveis e nebulosas. Por meio de uma interface que modifica fronteiras nacionais de acordo com sinais emitidos de torres de telefonia celular, Oliver faz uma análise sobre como os novos territórios informacionais colocam em cheque conceitos geopolíticos estabelecidos e princípios de legitimidade do indivíduo.

 

[O presente texto foi editado em março de 2025 para refletir as seguintes alterações:

  • mudança de URL da mostra emoção art.ficial 3.0, de http://www.emocaoartficial.org.br/pt/artistas-e-obras/emocao-3-0/ para https://enciclopedia.itaucultural.org.br/eventos/145124-emocao-art-ficial-3-0-interface-cibernetica
  • reinserção da imagem da capa do livro Reading Writing Interfaces, de Lori Emerson, porque a fotografia postada em 2014 foi “reciclada” em alguma das atualizações / migrações do site]