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Postado em 01/08/2013 - 6:16
Fantasmas de uma exposição
Paula Alzugaray

“Atlas, suíte” é uma exposição na época de sua reprodutibilidade técnica e um programa digno de uma Escola do Olhar

Atlas 3

Uma das exposições mais comentadas da temporada 2013 em Veneza, “When Attitudes Become Form”, ativa a discussão sobre remakes e itinerâncias de mostras antológicas. Este é o momento, portanto, de comentar a eficiência e a originalidade da mostra “Atlas, Suite”, em cartaz na Escola do Olhar, no Museu de Arte do Rio (MAR), até 28 de agosto.

“When Attitudes Become Form” foi uma curadoria do historiador da arte suíço Harald Szeemann, montada na Kunsthalle de Bern, na Alemanha, em 1969. Segundo o statement do atual remake na Fondazione Prada, em Veneza, essa exposição entrou para a história graças a sua abordagem radical da prática expositiva, concebida como um meio linguístico. De fato, a mostra se tornou uma referencia máxima para artistas e curadores de todo o mundo e de várias gerações decorrentes. 

Szeemann faleceu em 2005 e a reedição da curadoria ficou a cargo de três outras estrelas-guia da contemporaneidade: o curador Germano Celant, o artista Thomas Demand e o arquiteto Rem Koolhaas. Reeditar a energia e a tensão geradas em 1969 foi o intuito da tríade curatorial. Para isso, eles lançaram mão de exatamente o mesmo casting de obras – as obras que não foram emprestadas ou localizadas tiveram seus espaços preservados na mostra, garantindo-lhes, assim, a aura da ausência. Nesse exercício de clonagem, um cubo branco modernista, idêntico às salas do Kunsthalle, foi delimitado em escala real, dentro dos limites do palazzo veneziano da Fondazione Prada. 

Quando revisitou a obra “Food” (1973), de Gordon Matta Clark, na feira Frieze New York, em maio passado, a curadoria Cecilia Allemani disse ter criado um “monumento temporário”. “Nesta seção específica da curadoria, prestamos homenagem a um lugar histórico e buscamos recriar um momento no tempo. (…) Para mim, o interessante é ver o que acontece quando você traz essa energia para hoje e ver se podemos encontrar um equivalente a “Food” agora em NY.”, disse Allemani à seLecT “(Leia a entrevista na íntegra).

A reconstituição do espaço – que foi uma premissa de “When Attitudes Become Form” – não foi o ponto do projeto de Cecilia Allemani. Tampouco foi a estratégia de “Atlas, Suite”, de Arno Gisinger e Georges Didi-Huberman, atualmente em cartaz no Rio. “Essas imagens são resultado da leitura que fiz de Atlas, são uma interpretação fotográfica. Portanto, são uma espécie de fantasma dessa exposição que, apesar de encerrada, continua existindo como registro”, afirma Arno Gisinger no making of. Mas as imagens de Gisinger são mais que registros. São recriações, um novo atlas. Um resultado surpreendentemente coerente, em se tratando que na origem dessa cadeia está Aby Warburg, o historiador da arte que escreveu sua versão da história não em texto, mas agrupando imagens em ilhas e arquipélagos. 

Warburg era um colecionador de imagens. Seu projeto inacabado, o Mnemosine Atlas, inspirou os estudos de um filósofo das imagens, Didi-Huberman, que em 2011 levou sua pesquisa para o espaço do museu Sammlung Falckenberg, em Hamburgo, criando a exposição Atlas. Esta, por sua vez, foi interpretada fotograficamente por Gisinger. 

Com uma expografia absolutamente fora dos padrões, a mostra apresenta os trabalhos deitados no chão ou apenas encostados nas paredes da sala. No making, o fotógrafo diz que sua ideia era instalar os trabalhos no chão, como ilhas, ao redor das quais o público pudesse caminhar. Esse partido expositivo nos remete não apenas as constelações de imagens das pranchas do Mnemosine Atlas de Aby Warburg, mas lembra-nos também uma indagação vinda de Iole de Freitas durante residência no edifício em obras da Casa Daros: “Para que servem as paredes do museu?”. 
Por todas essas questões e relações levantadas, o lugar mais apropriado para essa cadeia de olhares estar instalado é uma escola, onde pede-se não apenas a contemplação, mas a elaboração de um pensamento e a revisão da história das imagens. Assim, as exposição mostra-se um programa digno do título “Escola do Olhar”. Em sua abertura, em maio, foi celebrada por duas conferências de Georges Didi-Huberman. O projeto é arrematado com a publicação de dois livros. 

Em um tempo em que a câmera fotográfica é a extensão do corpo mais vastamente explorada, a exposição é ainda mais generosa ao se afirmar “uma exposição na época de sua reprodutibilidade técnica”, isto é, se deixando fotografar e re-fotografar pelo público que, assim, pode produzir seus próprios fantasmas sobre a história das exposições. Como estes fantasmas que pude realizar e reproduzo aqui

Atlas 7

Serviço:

Atlas, Suite

Escola do Olhar, Museu de Arte do Rio (MAR)

Até 28 de agosto

Terça a domingo, de 10h às 17h.

4º Andar da Escola do Olhar do MAR