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Postado em 03/07/2013 - 10:13
Guia de sobrevivência em mandarim
Gabriela Longman

Em busca de novos compradores, galerias brasileiras participam de feira em Hong Kong e ampliam relações com o segundo maior mercado de arte do mundo

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Legenda: Objeto Cinético K-06 (1966), de Abraham Palatnik (Foto: Edouard-Fraipont/Cortesia Galeria Nara Roesler)

São mais de 25 horas de voo, com obras de arte dormindo nos bagageiros. Na última semana de maio, três galerias paulistanas atravessaram 18 mil quilômetros em direção à feira de Hong Kong. Administrado a partir deste ano pela Art Basel, o evento é uma porta de entrada para o mercado asiático, reunindo 245 galerias, entre elas as gigantes internacionais. Ninguém está lá à toa. Em 2007, o mercado de arte chinês ultrapassou o da França em volume de vendas. Três anos depois, passaria o da Inglaterra, tornando-se o segundo maior do mundo, atrás apenas do norte-americano. Próxima de outros centros financeiros importantes, como Taiwan, Japão, Cingapura, Coreia do Sul e Austrália, Hong Kong parece ter vindo para abalar definitivamente o duopólio Londres/Nova York, que definiu o comércio de arte nos últimos 50 anos.

Unindo esforços em direção à nova meca, Nara Roesler, Casa Triângulo e Mendes Wood embarcaram pela segunda vez para a feira. “É um salto no vazio, como diria Yves Klein… um projeto diferente de tudo que a gente já fez”, diz Daniel Roesler. Segundo o galerista, ficou do ano passado a sensação de não comunicação e a dificuldade de atingir o publico chinês. “Vendemos mais para os ocidentais expatriados.”

O acesso aos colecionadores asiáticos ainda é cheio de obstáculos. O primeiro deles é a grande predominância de leilões, responsáveis por 70% das vendas de arte na China – no Brasil, a fatia é de 21%. Mais que isso, porém, existe a questão do gosto: o interesse pela arte contemporânea ainda é pequeno, quando comparado ao da pintura tradicional, da caligrafia e das artes decorativas.

Quando se volta para o Ocidente, grande parte dos milionários da região se concentra em grandes nomes da arte moderna europeia. “Hong Kong funciona como ponto de conexão com a Ásia e com a Oceania. No ano passado, levamos cinco obras e vendemos duas, uma para uma colecionadora suíça que mora em Cingapura e outra para um banco”, conta Rodrigo Editore, diretor da Casa Triângulo. Devido à influência de temáticas orientais em seu trabalho, Sandra Cinto foi a artista escolhida para ser exposta pela galeria na feira de 2012, ao lado de obras de Mariana Palma, Marcia Xavier e do grafiteiro Nunca.

Por conta das dificuldades legais e burocráticas que vigoram na China, Hong Kong estabeleceu-se como centro de transações artísticas desde os anos 1970, com o primeiro leilão da Sotheby’s realizado em 1973. Em 2008, a Gagosian Gallery abriu uma filial na cidade, seguida pela White Cube. Como parte de um fenômeno ainda mais recente, a Pace Gallery e outras casas resolveram enfrentar os trâmites da China continental, instalando-se em Pequim ou mesmo em Xangai.

Criada em 2008, a Art HK reuniu 101 galerias de 20 países e atraiu cerca de 19 mil visitantes em sua primeira edição. No ano passado, o número de galerias era 266, com 67 mil visitantes. Para facilitar a vida dos galeristas, a organização da feira preparou uma espécie de “guia de sobrevivência”, numa tentativa de diminuir o abismo cultural: “Cartões de visita (assim como presentes e dinheiro) devem ser entregues e recebidos com as duas mãos”. Mais uma diferença: diante do recato que asiáticos possam ter em perguntar o preço, a recomendação é para que os estandes exibam os valores ou ao menos uma indicação escrita “por favor, pergunte o preço” estampada em inglês e chinês.

A fim de firmar relações entre os dois países, a Associação Brasileira de Arte Contemporânea (Abact) convidou quatro jornalistas chineses para a última SP-Arte, quando participaram de debates sobre arte e Mercado. “Esperamos que agora retribuam e nos recebam bem por lá”, brinca Monica Novaes Esmanhotto, gerente de promoção internacional da entidade. Num mercado de dragões, afinal, é sempre bom ter conhecidos que falam mandarim.

*Gabriela Longman é jornalista e mestre em História da Cultura pela EHESS-Paris. Foi repórter da Ilustrada, na Folha de S.Paulo, coordena a Comunicação da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip).

*Publicado originalmente na edição impressa #12.