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Um Olhar Iluminado [Foto: Kiko Farkas]
Postado em 16/11/2022 - 6:48
Guto Lacaz em 380 graus 
Documentário promove aproximação da obra irônica e intrépida do multiartista, em conversas com os designers Rico Lins e Kiko Farkas

Tudo é expansão na vida e na obra de Guto Lacaz. É redutor associá-lo ao readymade duchampiano, quando vemos que o primeiro trabalho acadêmico, realizado em 1970, um porta-ovos de arame, levou-o a um objeto inusitado que não existe em absoluto. É um quebra-cabeças cinético que representa o reverso de um readymade. É insuficiente dizer que Guto é pop só porque, em suas Pequenas Grandes Ações (2003), série em que manipula ilustrações de instruções de uso de produtos, ele se apropria dos procedimentos de Warhol e Lichtenstein. É redutor associá-lo ao objet trouvé surrealista, só porque relaciona uma chaleira de vidro a um porta-durex de plástico. “Eu sonho mais acordado do que dormindo”, diz Guto Lacaz a Rico Lins e Pedro Farkas, no documentário Um Olhar Iluminado (2022), que estreia no Canal Arte1 nesta quarta-feira, 16/11, e no Itaú Play, em 18/11. 

O filme é uma feliz tradução da capacidade intrépida de Lacaz que, segundo os designers Lins e Farkas, não pode ser definido como designer, mas como “um artista que pratica o design, a ilustração, o desenho, a arquitetura”, diz Lins. “Um cara de visão 380º”, define Farkas.

Cena de Um Olhar Iluminado [Foto: Rinaldo Martinucc]
Tudo é construção na obra de Guto Lacaz. Entende-se, a partir da roda de conversa que se estabelece entre os três criadores, que a construção é uma montagem de erros e acertos. O papo começa com a citação de uma frase de Brecht: “Tenho muito o que trabalhar, preparo meu próximo erro”. O filme sabidamente se apropria desse mote, numa cadência em que a obra de Lacaz vai sendo engenhosamente construída aos olhos do espectador, a partir de seus erros e acertos.

O acerto está nos encaixes. Na habilidade de enxergar um mundo articulado. De ver conexões onde acessos estavam blindados por segredos. De perceber uma luta de classes travada cotidianamente entre os objetos domésticos. De conceber a serie Coincidências Industriais (1970), a partir da observação que um copo de cafezinho se encaixa perfeitamente à aba de uma lata de cerveja; ou que a circunferência interna de uma fita isolante corresponde à aba externa de um rolo de filme Super-8.

O erro está nos detalhes dissonantes. Na lógica que não atende às regras da vida produtiva. Nos objetos fora de lugar. Na remoção das coisas de sua insignificância, de sua função segregada, de seu confinamento. O erro está em um rolo de papel higiênico deslocado da área de serviço da casa para o centro da sala, elevado à condição de “cilindro nobre, como um Brancusi”, diz Lacaz ao apresentar seu método de “convivência lúdica”, em um dos momentos mais hilários e deliciosamente divertidos do filme. O rolo de papel higiênico injustiçado que, acoplado a um filtro de café Melita, vira um lindo abajour. O erro está nos processos, nos cadernos de psicografia de ideias, no esforço de semanas para conseguir que duas dezenas de cadeiras flutuassem sobre o lago do Ibirapuera.

Guto Lacaz, Rico Lins e Pedro Farkas em Um Olhar Iluminado [Foto: Rinaldo Martinucc]
Dirigido por Marcelo Machado e editado por Raimo Benedetti e Bruna Callegari, Guto Lacaz: Um Olhar Iluminado é um filme necessário que, afinal, faz uma certa apropriação do método lúdico do artista, ao nos proporcionar uma convivência de 45 minutos com uma obra vasta e genial. O filme é uma porta de entrada, a partir da qual cada um pode evocar suas próprias memórias de um percurso de mais de quatro décadas. No meu caso específico, como não lembrar do incrível ensaio Design Canalha, que o artista realizou para a edição #8 – Mundo Cão, da seLecT, em outubro/novembro de 2012? Ou do maravilhoso cartaz especialmente elaborado para o projeto de gráfica ativista #FlorestaProtesta?

Tudo é expansão e construção em Guto Lacaz.

Serviço
Guto Lacaz: Um Olhar Iluminado
Estreia no Canal Arte1 em 16/11
Estreia no Itaú Play, em 18/11