icon-plus
Postado em 30/04/2015 - 8:01
Janelas de esquecimento
Gustavo Fioratti

A segunda exposição do jovem espaço Lama.sp, que termina no próximo dia 5 de maio, parece reduzir-se, em um primeiro momento, à intenção de uma provocação

Lama_body

Legenda: Fotógrafo Leonardo Finotti e artista suíço Mayo Bucher chamam a atenção para o patrimônio histórico da cidade (foto: Gustavo Hiriart)

Ao usar telas de tapume laranja para tampar partes ou a totalidade de fotos assinadas por Leonardo Finotti, todas elas retratando fachadas de edifícios modernistas de São Paulo, o artista suíço Mayo Bucher concede-nos a expressão de um posicionamento político, lembrando-nos de olhar com mais afeto para o patrimônio histórico.

Suas interferências na mostra Art Towards Architecture perturbam o olhar não embotado ao mesmo tempo que acusam os que se acostumaram com um imaginário precário avançando rudemente por uma cidade sempre em construção. Essa leitura não é de todo rasa, pois as fachadas retratadas na região central impregnam-se com a atmosfera do entorno decadente, corroído pela ação daninha do esquecimento. Ainda assim há muito mais a ser visto na obra de Bucher, para além da questão política.

Trabalhos anteriores do artista, alguns deles expostos no corredor que dá acesso à sala principal do Lama.sp, são também compostos de sobreposições de materiais com algum grau de transparência. São frequentes os desenhos geométricos, grafismos e as formas numéricas permitindo entrever, por baixo, imagens fotográficas. Também há um quadro feito a partir do decalque de um material gelatinoso sobre um assoalho de tacos.

Removido o piso, resta impressa uma memória. Dessa forma, o uso da sobreposição, no trabalho de Bucher, permite identificar, em suas camadas, memórias aparentemente desconexas, enquanto revela-se a relação crua da identidade dos materiais. O mesmo exercício dá o norte para Art Towards Architecture, embora torne-se mais evidente na nova série a proposição de um ruído, ou mesmo de um erro na intenção de uma composição harmônica.

É quase infantil a maneira como o artista opta por aplicar faixas do material sem exceder os limites impostos pelas colunas verticais formadas pelas janelas, do térreo à cobertura. Nesse respeito com a gestalt, pincela-se uma suposta paródia sobre a arte concreta. Esse cuidado cai por terra em um apêndice da exposição em uma sala ao lado, ocupada por uma espécie de casulo feito com o mesmo material laranja, cujo interior é habitado por uma lâmpada fria.

A exposição, por fim, extravasa seu conteúdo para o lado de fora das salas, que ficam no 37° andar do Edifício Mirante do Vale, com vista para o Anhangabaú. Também com tela de tapume, Bucher recobre uma faixa inteira do prédio, o que só é possível ver da rua.

Após a visita, torna-se possível um reposicionamento sobre a primeira impressão passada pelo farto material laranja. Em eterna manutenção, a cidade enverga-se a uma bela apropriação poética.

*Review publicado originalmente na edição #23