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Postado em 25/01/2015 - 9:48
Marepe e o fusionismo baiano
Paula Alzugaray

Miscigenações do Recôncavo embebem o “ismo” criado pelo próprio artista

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Legenda: Museu, da série Instituições (2014), apresentada na 3ª Bienal da Bahia, composto de display com miniaturas de obras e objetos de fontes e naturezas diversas (foto: Gillian Villa)

Berço do samba-de-roda e da capoeira, destino maior da diáspora africana, o Recôncavo Baiano é a fonte criativa de Marepe. Natural de Santo Antônio de Jesus, conhecida pela melhor Festa de São João da Bahia, polo de comércio e geração de serviços, Marcos Reis Peixoto obtém da terra que ainda hoje habita, do convívio com seus habitantes, vizinhos e familiares, o extrato de sua atividade artística.

Do vigor comercial da cidade, Marepe talhou uma estética da feira, do mercado, da vida ambulante. Tudo o que está à venda nas lojas de Santo Antônio pode ter sua função pervertida, reorientada e virar trabalho. Assadeiras, bacias, carrinhos de obra, todo e qualquer tipo de utilitário doméstico e matéria pré-fabricada são transformados em personagens de uma iconografia pessoal, quase fantástica.

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Legenda: A instalação Notícias da Lagoa (2014) é uma alegoria do Brasil e ao mesmo tempo uma paisagem espacial, em homenagem a tela impressionista de Manet (foto: Cortesia galeria Max Hetzler/Galeria Luisa Strina)

Como um escultor que extrai o excesso da matéria bruta até chegar na forma, Marepe diz que suas obras estão prontas, em cada um dos objetos apropriados do mundo, mas são invisíveis para as pessoas. “O excesso no meu trabalho é a poluição visual em que o objeto estava inserido. É preciso um olhar para recortá-lo”, diz Marepe à seLecT. Em cada objeto que escolhe recortar, ele identifica uma relação com um artista ou movimento da história da arte: a arte pop, Lygia Clark, a arte povera, conceitual, o cubismo. Exercitando, assim, seu lado curador e historiador, Marepe cria o seu próprio ismo, o “fusionismo”, embebido das miscigenações que historicamente compõem o Recôncavo.

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Legenda: Sistema M (2013), instalação feita com mesas de passar roupa, ferros de passar e vassouras (foto: Edouard Fraipont / Cortesia do artista / Galeria Luisa Strina)

O impressionismo ganha citação em Notícias da Lagoa (2014), obra apresentada em individual na Galerie Max Hetzler, em Berlim, de setembro a outubro último. A instalação é uma releitura da pintura Impressão, Nascer do Sol (1872), de Claude Monet, obra inaugural do impressionismo, que emprestou seu título ao movimento e anunciou a reviravolta que a arte moderna produziria sobre a paisagem bucólica europeia. Traduzido por Marepe, esse momento de virada da arte ocidental torna-se uma alegoria do Brasil, em forma de paisagem artificial. A lagoa é composta de duas banheiras de fiberglass azul, encaixadas. A água – ou o caldo de cultura – é representada por um tecido impresso com notícias de jornal sobre a Copa do Mundo e a economia brasileira. O pêndulo amarelo que recai sobre a banheira representa o sol.

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Legenda: A Coruja (2012), realizada com carrinhos de mão, pás e parafusos (foto: Edouard Fraipont / Cortesia do artista / Galeria Luisa Strina)

O mesmo ímpeto de agitação e desestruturação de certezas está presente em Renovação do Ar (2014), instalação produzida com exaustores e ventiladores de ar, numa reflexão do artista sobre as trocas e influências entre norte e sul, calor e frio, e em homenagem a Air de Paris (1919), de Marcel Duchamp.

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Legenda: Renovação do Ar (2014), feito com exaustores e pneus, em referência à obra Air de Paris, de Duchamp (foto: Edouard Fraipont / Cortesia do artista / Galeria Luisa Strina)

Duchamp é também presença indireta na série Instituições, recentemente apresentada na 3ª Bienal da Bahia. Definidas pelo artista como exercícios de montagem, as duas obras são instituições portáteis, como as malas e as caixas que circulavam com reproduções das obras de Duchamp. Compostos de estantes compactas, os displays de Marepe contêm um repertório variado – de brinquedos a miniaturas das próprias obras. São, portanto, sínteses de seu processo criativo. “Vejo nesses minidisplays uma possibilidade de ação social”, diz Marepe. “Eles podem ser montados em escolas ou em lugares com pouco espaço e funcionar como uma introdução às artes plásticas para jovens e estudantes.” Completa a série a obra A Casa do Colecionador, em processo de realização.

*Portfólio publicado originalmente na edição #21