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Postado em 09/10/2014 - 6:13
Memória do futuro: projeções de uma Olimpíada que ainda será
Paula Alzugaray

Até dia 31 de Outubro, a fotógrafa Romy Poczataruk mostra a sua série Olympia na SIM Galeria, em Curitiba

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Legenda: Fotos da série Olympia, que mostram instalações abandonadas

O crítico alemão Andreas Huyssen, que é um pensador sobre as relações entre arte e memória, afirma que o século 20 não produziu ruínas, só escombros. Diz isso em referência às seqüelas das experiências traumáticas do século passado. O trabalho da artista gaucha Romy Poczataruk também é marcado por incursões à memória. Mas, à primeira vista, talvez não pelo viés da violência e sim do abandono e do descaso, apontando para a inconsequência de projetos progressistas, realizados sem sustentabilidade. Uma série fotográfica sobre a melancolia da vida em torno da inacabada rodovia Transamazônica, em exibição na 31ª Bienal de São Paulo até dezembro, e a série “Olympia”, que retrata resquícios de instalações esportivas para cidades-sedes de Jogos Olímpicos, exposta na SIM Galeria, em Curitiba, trazem à tona escombros de sonhos esquecidos ou abortados. Revestidos de certa aura de mistério, ou mesmo suspense, esses espaços captados pelas lentes de Romy Poczataruk podem chegar a evocar até mesmo o pesadelo, como no caso da carcaça fantasmagórica do Hotel Sarajevo.

Em 1984, Sarajevo sediou as Olimpíadas de Inverno. Durante onze dias, a cidade se converteu em grande símbolo de integração internacional por meio do esporte, mas apenas oito anos depois foi sitiada e mergulhada num dos mais dramáticos conflitos da era moderna, a Guerra da Bósnia. Soterrado por mais de três anos de atrocidades, a sombra do espírito olímpico se insinua nas imagens de antigos ginásios, estádios e pistas esqui, captadas por Romy Poczataruk. Com curadoria de Gabriela Motta, a exposição apresenta também um filme super-8 em preto e branco sobre locais desabitados de Berlim, sede dos Jogos Olímpicos de 1936, que foram instrumentalizados pela propaganda política do regime nazista. Atravessadas pela artista, essas histórias implícitas nas ruínas ou nos escombros de grandes obras e abusos aos direitos humanos, conferem às fotografias um estatuto de memorial. “A ruina tem uma potencialidade monumental que me interessa como ideia e como fracasso de utopias, e também vestígio de um passado que anuncia o futuro”, diz Romy.

Fato é que, a caminho das Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro, e diante do perigo de construção de mais um cenário de promessas não realizadas (como a Transamazônica, ideal de “integração nacional” irrealizada), “Olympia” propõe a urgência de uma reflexão sobre o embasamento humanista de nossas projeções de futuro.

*Publicado originalmente na ISTOÉ 2341 8/10/2014