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Postado em 10/03/2015 - 9:19
No Método com Marina
Luciana Pareja Norbiato

Reportagem de seLecT participa do Método de Marina Abramović dentro da programação da expo em cartaz no Sesc Pompeia e conta em detalhes como foi a experiência

Marina Abramovic 201503092786

Legenda: Marina Abramović passeia pelo Sesc Pompeia antes da abertura da exposição Terra Comunal (fotos Denise Andrade)

Até maio, já sabemos, não se vai falar de outra coisa na seara das visuais que não seja a artista – e especialista em capitalizar sobre a própria imagem – Marina Abramović. Negando ou assumindo de vez a postura de diva (leiam-se as recomendações para seu funeral na capa de sua biografia por James Westcott, recém-lançada pelas edições Sesc), além de estrear uma grande retrospectiva, Terra Comunal, no Sesc Pompeia, também lá ela passou adiante, para monitores que farão a interface com o público em cinco sessões diárias semanais (nos fins de semana e feriados, são quatro; segunda, não abre) seu Método.

Método, sim, com M maiúsculo, “criado” pelo Marina Abramović Institute, misto de escola de performance e trabalhos imateriais, espaço de debate e do desenvolvimento de um Método para que as pessoas atinjam um contato mais profundo com seu eu interior. Mas que Método inovador seria esse? A seLecT, curiosa, não deixou passar a oportunidade e foi conferir essa experiência.

Primeiro passo: preparação

Já na lista de confirmação, somos orientados a não falar mais. Se nada mais valesse a pena no Método, só o fato de ficar em silêncio por duas horas e meia já é relaxante diante das demandas verbais do mundo atual. Logo na sequência, armários com chave estão disponíveis para os participantes deixarem seus pertences. 

A repórter em questão tirou os sapatos, inadequados para a atividade. Mas quem estiver com um sapato plano e confortável, tênis ou mesmo chinelo pode usá-los durante a dinâmica. Uma roupa confortável também ajuda bastante. Afinal, como somos alertados logo no início da preparação, a atividade leva 2h, sem contar a meia hora de aquecimento, e não é possível deixar o ambiente. Isso mesmo: não pague para entrar, e espere pacientemente para sair. Portanto, vá antes ao banheiro. De qualquer forma, a ausência de sapatos foi agradável, um dado de desprendimento a mais durante a atividade.

Enfim, numa antessala com três telas planas e duas orientadoras para os cerca de 90 participantes (não, não fizemos a conta) que ficam lado a lado, em pé, uma Marina Abramović virtual, em vídeo, vestida de camisa e jaleco tal como uma cientista, explica em seu vozeirão, emitido pausadamente, no que consiste seu método. Sua assistente virtual, em vídeo, começa um aquecimento tranquilo, que não exige maiores aptidões e tem de fato a capacidade de despertar o corpo, decupando por partes o rosto, os membros, até chacoalhar tudo ao mesmo tempo. Quem nunca fez uma dinâmica de teatro (sim, a repórter foi estudante de Artes Cênicas) pode se constranger, mas sem razão. Ninguém olha muito para os lados para não perder as regras da vivência (ou olha? Enfim, a repórter não olhou, portanto não reparou).

Segundo passo: meditação

Durante a preparação, Marina Abramović explica qual é a dinâmica do processo pelo qual estamos prestes a passar: receberemos isoladores auditivos (fones de ouvido, só que para não ouvir) e, interagindo com objetos criados especialmente pela artista, faremos três (in)atividades de meia hora cada, uma sentados, outra de pé, outra deitados. Completando as duas horas, andaremos lentamente por mais meia hora.

O grupo é dividido em dois, e cada um executará a vivência em ordens diferentes, para intercalar o uso dos objetos transitórios para uso humano, que potencializam a experiência e já colocam o corpo na postura necessária em cada um dos momentos. A ordem varia de acordo com o grupo. No caso de quem vos fala, ao entrarmos, com os protetores de ouvido instalados, nos deparamos com espécies de plataformas de madeira bilateriais com um poste de madeira no meio, equipado com três grandes cristais, posicionados em três chakras (ou pontos de energia): olhos, garganta e coração. Pessoal da organização, vamos prestar um pouco mais de atenção à ergonomia. Para uma pessoa de 1,57 (eu, no caso), os cristais ficam um pouco deslocados. Mas, verdade seja dita, nada que atrapalhasse a concentração.

Cada plataforma comporta dois participantes, um de frente para o outro, com o poste de madeira no meio. E aí são 30 minutos parado, olhando para o poste. Pode parecer um programa de grego, mas acredite, não é. Com a audição reduzida a muito pouco (a exceção de um cachorrinho que teimava em latir do lado externo do galpão de convivência), o foco fixo, os pés em contato com a madeira e os cristais roçando a barriga, quem se aventurar a realmente parar de se mexer e perceber o corpo, vai entrar num outro estado. A respiração acalma-se, o corpo acorda por inteiro, o pensamento se suaviza. Perde-se de fato a noção do tempo, dilatado em um longo momento presente. O som que dá o ritmo é o do coração, bastante audível e apaziguado.

Ao passar de um longo tempo que não se pode precisar, os pés começam a adormecer, o que é passível de reverter com movimentos muito suaves, não é preciso esforço. Um dos orientadores bate palmas. É hora de ir para o segundo objeto.

Na ordem que fiz, fomos encaminhados para as cadeiras de madeira, ora pintada de branco, ora apenas envernizada. Reta, sem conforto adicional que uma pequena plataforma para deixar as pernas em ângulo reto, com o espaldar ladeado pelos mesmos três cristais. Dessa vez, o que fica diante dos olhos é uma grande parede branca. 

Não é que ficar parado por meia hora, mesmo que nesse segundo caso, sentado, não cause algum esforço, até mesmo dor muscular. Mas é essa mesma tarefa de encontrar relaxação para partes corporais das quais estamos esquecidos cotidianamente que executa o processo de reunião desse corpo com a mente, toda voltada para tal exercício. Há que se confessar, porém, que do canto do olho a repórter viu um ou outro participante mais próximo sentado como se visse TV na sala de casa, de cabeça pendida sobre a mão. Uma dica: faça a dinâmica com vontade e concentração. Senão, você corre o risco de se aborrecer e quebrar o clima da turma, mesmo que de leve.

Caminhar lentamente é sensacional. Primeiro, há uma enorme dificuldade em acertar um ritmo, copiado inicialmente dos orientadores, depois percebido pelo próprio movimento das pernas. Poucos minutos depois, chega-se a uma percepção fatual do que é caminhar, de como se faz a alternância de peso de uma perna para outra, enquanto a perna livre move-se apenas o suficiente para levar o corpo um pouco mais adiante. Subitamente, tem-se a impressão de que o ritmo do caminhar voltou à velocidade cotidiana. Bobagem. É o corpo assumindo de fato outro ritmo. No espoucar das palmas finais, não dá vontade de parar.

Quem pensa que a tarefa de se deitar sobre a cama de madeira, que posiciona de sua cabeceira um grande cristal sobre o chakra dos olhos, é a mais simples, engana-se. Os pontos de tensão que vão surgindo da deposição do corpo sobre a estrutura rija são outros, mas estão lá. E a parte posterior da cabeça parece fundir-se à superfície. De brinde, uma vista inusitadamente bonita do telhado do galpão, com suas estruturas de metal em contraste com a terra queimada em telhas. Em dado momento, ouve-se novamente a voz de Marina Abramović explicando as regras da dinâmica pausadamente. É a turma seguinte iniciando a preparação. “Mas já?”, penso eu. Nem parece que duas horas se passaram.

Palmas finais. Saímos, pegamos nossas coisas, passo no banheiro para lavar os pés. Vontade nenhuma de abrir a boca, em alfa. Sair do corredor do Sesc Pompeia para a rua povoada de ônibus e carros é quase um tapa na cara. Pensando bem, mesmo sem os objetos transitórios, dá pra brincar disso em casa vez por outra, não dá?

Moral da história

Vá lá, não há nenhum grande ineditismo nem a invenção da roda versão 2.0 no Método de Marina Abramović. Mas não se pode negar que a artista, com longa experiência em performances que requerem preparo físico, resistência e um estado mais profundo de autoconsciência, soube alinhar exercícios funcionais e aperfeiçoá-los com equipamentos orgânicos que potencializam sua eficácia. É uma meditação bastante completa que traz colateralmente uma outra noção da passagem do tempo e acorda canais de percepção que costumamos deixar em casa no dia a dia. Só que não é um processo mágico: depende completamente da dedicação do participante.

As inscrições estão abertas no site da exposição e as sessões acontecem até 10 de maio, quando a mostra termina. É de graça, diferente e tem como cenário a belíssima arquitetura de Lina Bo Bardi, que casou perfeitamente com a atividade, quase como se tivesse sido pensada para essa finalidade específica. Agora, se você não tem paciência para nada do que foi dito aqui ou é daqueles que odeia filme de mais de duas horas, deixe a vez para um companheiro mais interessado. Não há nada de errado com não entrar no clima, mas não é preciso participar da dinâmica para descobrir essa ausência vocacional.