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Postado em 26/08/2011 - 4:09
Nova York, Lugar-comum

De Londres, o pesquisador Gabriel Menotti escreve sobre mostra que apresenta produção de Gordon Matta-Clark, Laurie Anderson e Trisha Brown, vizinhos na cena nova-iorquina dos anos 1970

Select00-Review-3. Pioneers

Gordon Matta-Clark diante de seu restaurante Food no Soho, em 1971. Crédito da foto: Courtesy Carol Goodden

Gabriel Menotti, de Londres

Splitting, 1974: com um corte transversal, Gordon Matta-Clark divide ao meio uma casa de dois andares em New Jersey. O Superman, 1981: parodiando gravações de secretária eletrônica, o single de Laurie Anderson chega ao segundo lugar nas paradas de sucesso do Reino Unido. M.O., 1995: Trisha Brown prepara uma coreografia para a Oferenda musical de Bach, que, segundo a crítica, faz jus à complexidade estrutural da composição. Uma semelhança óbvia entre esses trabalhos é a relevância que cada um possui em determinado campo: arquitetura, música, dança.

Outra coisa, menos notável, é que seus autores já foram vizinhos. É justamente essa peculiaridade que a exposição Pioneers of the Downtown Scene, New York, 1970s (Pioneiros da cena downtown, Nova York, 1970) busca trazer à tona. Em cartaz na galeria principal do Barbican Centre, em Londres, a exposição vai além das obras mais conhecidas de Matta-Clark, Anderson e Brown e enfoca um momento inicial de suas carreiras, quando os três viviam na área de Manhattan que mais tarde se tornaria o badalado SoHo.

Na época, a região era um reduto industrial decadente. Um grande número de artistas foi atraído
pelos imóveis amplos e baratos. Os artistas não só moravam em seus locais de trabalho, como
também começaram a atuar em espaços públicos. Instantâneos do bairro no início de 1970 revelam Laurie Anderson dormindo (Institutional Dreams, 1972-1973) ou tocando violino (Duets on Ice, 1974-1975) nas mesmas ruas em que a companhia de Trisha Brown encenava coreografias que tomavam lugar nas paredes (Man Walking Down the Side of a Building, 1971) e telhados dos prédios (Roof Piece, 1973), a alguns metros de onde teria estado Food, o restaurante de que Gordon Matta–Clark era sócio-proprietário.

Essas novas práticas causaram um reposicionamento das técnicas tradicionais, sem expurgá-las do fazer artístico. Grande parte da exposição é dedicada a mostrar como o desenho se manteve essencial para a obra performática de seus três personagens, exercendo o papel de uma ferramenta de planejamento. A vasta coleção de rascunhos e anotações é uma das partes mais interessantes da mostra, com destaque para as partituras de movimento de Brown e os croquis dos instrumentos de Anderson. O trabalho desses artistas pode ser visto como uma guinada no rumo que a cena nova-iorquina vinha seguindo. Na década anterior, a cidade era o território da produção conceitual, marcada por práticas que sublinhavam o caráter autorreferente da arte e que terminaram por desmaterializar seu objeto.

Como se esse desaparecimento simbolizasse a desintegração da própria cidade, os pioneiros
do SoHo pareciam reagir também a ele, por meio de ações concretas e devidamente localizadas, que substituíam a “ideia pura” por “artimanhas”. Nesse sentido, não é coincidência que sua obra
privilegie o uso das coisas, a despeito de sua função predefinida. Isso fica claro em trabalhos como Open House (1972) e The Handphone Table (1978), que encerram a exposição. O primeiro é uma escultura feita a partir de um contêiner de lixo industrial, que Matta-Clark instalou na rua e convidou amigos a utilizar como palco de dança e performance.

O segundo, uma mesa em que Anderson embutiu um gerador sonoro, sem conectar qualquer canal de saída. Para ouvir a obra, a audiência precisa encostar os cotovelos nela, empregando o próprio corpo como meio de propagação acústica. A exposição do Barbican Centre não apresenta com seu foco histórico-geográfico um simples ponto de contato na carreira dos três artistas, mas a sua “origem comum”. Ela nos mostra como o espírito da vizinhança persiste em sua obra tardia, ao questionar a separação entre arte e vida cotidiana. Mas também nos faz olhar para o SoHo de hoje em dia, após anos de “gentrificação”, e perguntar o quanto dessa obra persiste por lá.

Laurie Anderson, Trisha Brown, Gordon Matta-Clark, Pioneers of the Downtown Scene, New York 1970’s
Barbican Art Gallery, Londres
até 22 de maio

www.barbican.org.uk