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Postado em 22/11/2023 - 5:53
O Fim da Agenda
Vimos por meio desta postagem anunciar o FIM da Agenda para Adiar o Fim do Mundo

Olá para você que preza pela cobertura jornalística de qualidade das artes visuais no Brasil, você que sente uma pontada de nostalgia daquela época em que o Celso Fioravante cobria TODOS os eventos colaterais à Bienal de São Paulo, além de escrever fartamente sobre a própria Bienal, no maior jornal do país. Você que dirige uma instituição cultural ou é o feliz sócio-proprietário de uma galeria blue chip nos Jardins, e também você que mantém a duras penas um espaço independente fora do eixo, ou que inventou aquele projeto alternativo mara para dar visibilidade a, e fomentar pesquisas de jovens artistas. Olá a todas, todos e todes que consomem conteúdo de arte, que buscam informação sobre arte, que assinam serviços de acesso à arte, que pagam os pedágios digitais para receber com exclusividade os mais sofisticados dados relacionados à arte.

Vimos por meio desta postagem anunciar o FIM da Agenda para Adiar o Fim do Mundo. Os motivos, diversos e complexos, envolvem todos os supracitados integrantes da cadeia produtiva das artes, por isso vamos precisar de um textão para explicar cada ponto – ou nó – da questão. Aos diretores de instituições e donos de galeria, precisamos perguntar: quanto você está disposto a investir na sobrevivência da revista de arte que, ao menos no discurso, você valoriza como imprescindível para o debate sobre as artes? Para os indies e alternativos, cabe sugerir que a verba destinada à contratação de uma assessoria de imprensa para “garantir” que seu evento entre nas agendas e tenha visibilidade seria melhor empregada em um anúncio nos veículos de comunicação que você acredita serem os mais relevantes para garantir o alcance das atividades que promove.

Perceba que estamos descrevendo um circuito virtuoso de trânsito de informações: o advento da web 2.0 promoveu a migração do conteúdo sobre arte para outras plataformas, onde agregadores de notícia reúnem mais conteúdo diário do que um mês de cadernos diários de cultura, e isso é muito positivo; isso fez os jornais repensarem a sua função social na cobertura cultural, enveredando por um perfil de “caderno de domingo”, com artigos de mais fôlego sobre determinados aspectos da vida cultural da sociedade, deixando os demais temas de fora, como aliás sempre foi o caso, só que o processo era velado, por meio de uma mistificação da “totalidade”.

A revista de arte, no século 21, assumiu essa função de amplificar o vasto conteúdo produzido pelos agentes culturais, na melhor tentativa possível de ampla cobertura da cena. A revista de arte já existia, sobretudo para veicular grandes reportagens e críticas de arte, mas a cadeia produtiva das artes se ampliou, profissionalizou e tem cada vez maior expectativa de se ver narrada, representada, documentada. Entretanto, esse circuito virtuoso vive um estrangulamento. O nome do gargalo é “a agenda”, que virou um lugar de disputa e de pressão, configurando um círculo vicioso, de que se tratará a seguir.

VAMOS PAUTAR?
A década de 2020, entre inúmeros outros marcos históricos, pode bem ficar conhecida como a era da hegemonia das assessorias de imprensa. Para nos ater ao universo da arte, a década marca a desproporcionalidade entre, de um lado, o número de instituições, galerias e outras iniciativas de arte que contratam assessorias de comunicação para divulgar suas exposições e seus eventos, e, de outro, o crescente sucateamento dos veículos de comunicação especializados em artes visuais (canais que encerram suas atividades; cadernos de cultura reduzidos a 4 ou 6 páginas onde devem caber os destaques de cinema, teatro, música, dança – principais anunciantes dos cadernos diários – e, quando “sobra” espaço, artes; revistas que suspendem a circulação em bancas de jornal por escassez de recursos etc.). O que isso significa na prática? Entre outras coisas, implica em uma enxurrada de material enviado para a redação, por e-mail, whatsapp, mensagem direta via Instagram, correios ou portador: num mundo ideal de condições adequadas para cumprir sua função social, uma revista deve poder avaliar, filtrar, selecionar, desenvolver suas pautas, apurar, publicar.

Na vida real – considere-se que a redação da seLecT_ceLesTe é formada por 4 (quatro!) profissionais –, significa que é impossível ler tudo, ou mesmo ler metade de tudo o que chega. As assessorias pressionam, apelam, imploram para que ao menos um registro do evento da vez seja feito em algum de nossos canais. Lógico: o funil é estreito; de 20 inaugurações que acontecem em um único sábado, conseguimos incluir 3 ou 4 na agenda da semana, conseguimos cobrir (para escrever um review ou realizar uma entrevista, ou para fazer uma cobertura fotográfica para o Insta) 1 ou 2, no máximo, e para uma cobertura de fôlego na edição impressa, toda semana fica perto do zero, estatisticamente, porque as pautas da revista (de circulação trimestral) exigem tempo de pesquisa, apuração, discussão, reflexão, escrita, edição, novas discussões, diagramação, novas discussões. Uma grande reportagem “à moda antiga” demora um mês para ser concluída. Quem se dispõe a financiar um mês de investigação jornalística?

VAMOS PARAR?
Quem e como poderia explicar aos integrantes da vasta cadeia produtiva das artes o paradoxo inerente à expectativa de divulgação em um contexto de penúria e precariedade dos canais midiáticos? Em outras palavras, por que não fomentar o bom funcionamento de revistas de arte se este é um serviço que se considera fundamental para o bom andamento do sistema das artes? Apostando na inteligência coletiva e sistêmica do meio de artes, adotamos, daqui para a frente, a seguinte política: a agenda chega ao fim porque é inviável produzi-la, no atual estado das coisas. Mas a agenda recomeça como espaço publicitário para que volte a ser viável de ser feita. Com recursos, podemos ter mais gente na equipe, com uma equipe maior, podemos enfrentar a vasta oferta de sugestões de pauta com atenção e cuidado, e com estrutura para produzir um conteúdo de qualidade no intervalo de tempo necessário, mantendo a periodicidade semanal.

O QUE MUDA?
Não envie a sua sugestão de pauta, mas sim a sua sugestão de apoio. Ou solicite a tabela de preços de espaço na Agenda Depois do Fim do Mundo. Estratégias de sustentabilidade financeira e gestão responsável do tempo (o nosso e o seu) podem configurar um depois do fim promissor para todos.