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Postado em 21/02/2014 - 6:04
O inferno somos nós
Giselle Beiguelman, de Miami

Com vídeo gravado em São Paulo, a israelense Yael Bartana é uma das artistas que participam da 31a Bienal de São Paulo

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Legenda: O vídeo Inferno (2013) de Yael Bartana representa a Queda do Templo de Salomão em edifício da Igreja Universal, em São Paulo 

Yael Bartana é uma das mais interessantes artistas israelenses atuais. Vivendo entre Tel-Aviv, Amsterdã e Nova York, produz uma obra de raro hibridismo entre questões locais do Oriente Médio e do Ocidente. Seu trabalho mais recente foi realizado no Brasil e é um dos projetos que inauguraram as salas individuais do imponente Pérez Art Museum Miami (PAMM). Aberto ao público em dezembro, o museu já se tornou um dos marcos de Miami e está inserido num redesenho da cidade orientado para sua transformação em centro artístico e cultural mundial. A obra é também um dos destaques da Bienal de São Paulo este ano.

Bartana foi uma das participantes de um projeto em curso realizado por Benjamin Seroussi (curador associado da Bienal) e Eyal Danon sobre novas religiões. No primeiro semestre de 2013, ela esteve aqui e criou uma ficção (Inferno) que se passa em 2014 e tem como mote a construção do novo templo que a Igreja Universal está erguendo em São Paulo. Réplica do Primeiro Templo de Salomão, para o qual foram trazidos cedros e pedras do Líbano e em cuja obra trabalharam mais de 100 mil pessoas, de acordo com registros bíblicos, foi destruído no século 6 a.C. por Nabucodonosor, imperador da Babilônia. A Queda do Templo, como é conhecida, tornou-se, assim, o marco histórico da primeira Diáspora judaica e, por isso, um dos mais importantes referenciais simbólicos do judaísmo.

Costurando as duas histórias, dos evangélicos brasileiros e dos judeus, Bartana produz um intrigante palimpsesto cultural valendo-se da linguagem dos épicos hollywoodianos. Colocando negros de olhos azuis, vacas e camponeses no Centro de São Paulo, em rituais litúrgicos e cenas de devoção, trabalha sob a perspectiva do que a artista chama de “previsão histórica”. A obra acompanha não só a construção e sua celebração, mas também a destruição, questionando até que ponto um está contido no outro.

A superposição de contrapontos culturais e de estilos – o calor desértico ambientado como tropical, a devoção judaica e a dos fiéis da Igreja Universal, animais bíblicos no Centro paulistano – compõe um perturbador e intrigante retrato da proximidade entre o extático e o infernal. 

* Review publicado originalmente na edição impressa #16.

Foto: Divulgação

Inferno ficou em cartaz de 04 de dezembro a 20 de Abril no PAMM (1103 Biscayne Blvd. Miami).
Está na 31a Bienal de São Paulo.