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Postado em 05/12/2014 - 2:47
O mecenas do Ceará
Luciana Pareja Norbiato, de Fortaleza

Dono de uma das dez maiores e melhores coleções particulares do País, Airton Queiroz dá continuidade à atuação do pai na divulgação da arte brasileira

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Legenda: Pastilhas (1981), de Waltércio Caldas, obra da coleção da Fundação Edson Queiroz (foto: cortesia Fundação Edson Queiroz)

O campus da Universidade de Fortaleza (Unifor), instituição particular de ensino superior, é um oásis na capital cearense: em sua área arborizada abriga espécies variadas de plantas locais e orquídeas, além de animais silvestres que ali circulam livremente, de acordo com determinação do Ibama. “As emas chegam a roubar o lanche de alguns alunos, adoram pipoca”, diverte-se o vice-reitor da Unifor, Randal Martins Pompeu. Mas a “joia da coroa” não é do reino natural, e sim o acervo de pinturas e esculturas da Fundação Edson Queiroz.

Instalada no prédio da reitoria, a coleção ocupa ostensivamente seus corredores e salas com um conjunto representativo da produção nacional, dos pré-modernistas aos contemporâneos. Nomes como os clássicos Pedro Américo e Benedito Calixto; os modernistas Candido Portinari, Tarsila do Amaral, Alfredo Volpi e Di Cavalcanti; os cearenses Antonio Bandeira, Sérvulo Esmeraldo e Raimundo Cela; os concretos e neoconcretos Hercules Barsotti, Lygia Clark, Lygia Pape e Hélio Oiticica; chegando a contemporâneos como Leonilson, Efraim Almeida, Vik Muniz e Adriana Varejão; além de uma breve incursão pelos estrangeiros que mapearam o Brasil, como Debret e Rugendas; compõem um percurso impressionante de obras que abrangem uma parcela respeitável da história da arte no Brasil.

Como o nome entrega, foi o empresário Edson Queiroz (1925-1982) quem começou o acervo. Mais precisamente, sua viúva, dona Yolanda Queiroz, em meados dos anos 1960. Desde a morte do marido em um acidente aéreo da extinta Vasp, ainda hoje ela administra com os filhos o vasto grupo de empresas da família, que inclui as marcas de água mineral Minalba e Indaiá, uma distribuidora de gás atuante em vários estados (Nacional Gás), a Rede Verdes Mares (que inclui a TV afiliada da Rede Globo no Ceará, rádio e o jornal Diário do Nordeste) e uma empresa de exportação de castanha de caju, entre outros empreendimentos.

Todos os seis filhos do casal Queiroz – Airton, Paula, Renata, Lenise, Edson e Maira – herdaram o gosto dos pais pelas artes, tendo cada um deles a sua coleção particular. Em especial o primogênito Airton, que começou muito cedo a compor seu acervo pessoal. “Comprei minha primeira obra no lugar de um Karmann Ghia (carro esporte), aos 16 anos”, conta Airton Queiroz. “Era um Antonio Bandeira”. De lá para cá, o atual chanceler da Fundação Edson Queiroz amealhou nada menos que dez óleos e 40 aquarelas do artista cearense, morto em 1967, aos 43 anos. “Se estivesse vivo, Bandeira seria um dos artistas mais importantes do mundo.”

Essa é apenas a ponta do iceberg. Seu acervo pessoal, de cerca de 800 obras, alastra-se pelas paredes, portas e até mesmo pelo teto do belíssimo casarão colonial em que mora, localizado no centro de Fortaleza. Chegou a quebrar o piso do espaço anexo à casa para fazer caber uma enorme tela de Beatriz Milhazes. Prataria sacra, tapeçaria e movelaria colonial também têm participação considerável no espólio – e na decoração, pois fazem parte da casa e são usadas pela família no dia a dia.

“Com o tempo, a gente vai começando a gostar de arte de um jeito diferente”, reflete ele. Esse amadurecimento não fez com que reduzisse o ritmo de aquisições, pelo contrário. Hoje, sua coleção não se restringe à sua casa: já se espalha por sua fazenda, pelos escritórios e pelas moradias dos filhos, Edson e Patrícia. Herdeiros do amor pela arte, ambos se comprometeram com o pai: no futuro, a casa permanecerá intocada e será aberta à visitação, nos moldes de iniciativas como a Fundação Maria Luisa e Oscar Americano.

Essa vontade de compartilhar as obras com o público se reflete na atuação de Airton junto à Fundação Edson Queiroz, que, além de incluir a coleção de, aproximadamente, 650 obras e o Espaço Cultural Unifor, tem uma escola de ensino fundamental gratuita para moradores das redondezas, entre outras atividades de cunho social. Partiu do chanceler a iniciativa de trazer crianças de outras cidades do estado para visitar o espaço expositivo nos 60 anos da Nacional Gás, do Grupo Edson Queiroz. “Com a educação, você consegue formar as pessoas, abrindo seus horizontes. E a viagem não foi uma experiência única só em relação à arte: havia criança ali que nunca tinha visto o mar.” Essa edição do projeto Caminhos da Arte teve participação de 10 mil alunos de escolas públicas dos 184 municípios do Ceará. Tudo pago (traslado, hospedagem e alimentação) pelo projeto.

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Legenda: Seresta (déc. 1930) de Di Cavalcanti; e Construção Sobre Fundo Negro (1957), de Milton Dacosta (fotos: cortesia Fundação Edson Queiroz)

Visibilidade da coleção além fronteiras

As visitas distantes também aconteceram durante a exposição Trajetórias, comemorativa dos 40 anos da Fundação, de março a dezembro de 2013. Mas sua descontinuidade deve-se à falta de apoio do poder público, segundo Airton. “Já fui a outras cidades e estados oferecendo levar alguns ônibus e eles custeariam outros, mas ninguém quis. É uma iniciativa que, para ir adiante, precisava de muito mais que R$ 3 milhões”, diz, entregando o valor gasto para bancar a empreitada.

Uma estratégia recentemente adotada pelo empresário para difundir a coleção da Fundação além das fronteiras cearenses é realizar mostras em conjunto com outros acervos de ponta. É o caso de Abstrações, que investiga os elos abstracionistas entre a coleção local e a Coleção Roberto Marinho, em recorte do curador Lauro Cavalcanti, ex-Paço Imperial. Pelo conjunto exibido no Espaço Cultural Unifor até janeiro de 2015 nota-se que o grupo de trabalhos de posse da instituição cearense é tão vultoso quanto o de sua irmã carioca. O conjunto de 15 obras de Volpi expostas – metade do número total de Volpis na coleção cearense –, por exemplo, representa o ápice da produção de um dos maiores pintores nacionais.

Depois de Fortaleza, a mostra segue para o Paço Imperial, no Rio. “Atualmente, estamos buscando exposições que possibilitem esses intercâmbios”, diz o vice-reitor Randal Martins Pompeu. Os planos para o futuro também passam pelo aprimoramento da sede da coleção, que hoje está abrigada de forma um tanto improvisada no edifício administrativo da Universidade. A reitoria será deslocada para outro prédio e o atual se tornará um imenso espaço cultural, aumentando em mais dois andares os atuais 1,2 mil metros quadrados expositivos, o que já não é pouco – a Grande Sala do Museu de Arte Moderna de São Paulo, por exemplo, tem cerca de mil metros quadrados.

Essa mudança está prevista para 2015, ainda sem data definida. Permanecerá no prédio o acervo de arte e a recém-inaugurada Biblioteca Unifor Fundação Edson Queiroz – Sala Matarazzo, que abriga o conjunto completo de livros de Francisco Matarazzo Sobrinho, o Ciccillo. São cerca de 3 mil volumes raros, como livros com aquarelas originais, a exemplo de uma História Militar finamente ilustrada, e do Miserere, caixa com 58 litografias originais em grandes dimensões de autoria de Georges Rouault, expostas nos anos 1940 no MoMA (NY). Aberta ao público em geral, a biblioteca recebe consulentes por agendamento.

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Legenda: Metaesquema (1957), de Hélio Oiticica; e Folha de Figo (2013), de Beatriz Milhazes (foto: cortesia Fundação Edson Queiroz)

A maior coleção de fotografia

Outro membro da família Queiroz que pretende criar um museu para chamar de seu é o cunhado de Airton, Silvio Frota, casado com Paula. Sua paixão é a fotografia, técnica da qual possui cerca de 2 mil obras. Entre as raridades estão uma seleção de imagens do regime militar (cujo recorte a seLecT publicou em seu número 17) e a série do cangaço completa, clicada por Benjamin Abrahão, em meados dos anos 1930. Isso o torna o maior colecionador particular de fotos no Brasil. Para abrigar seu acervo, que começou a reunir em 2009, Frota deve construir em 2015 um espaço de estimados 2,5 mil metros quadrados na capital cearense, segundo anunciou em maio passado. Será o primeiro museu brasileiro destinado exclusivamente à fotografia. O filho de Frota, Rodrigo, segue de maneira diferente os passos do pai: é fotógrafo.

A dedicação às artes da família Queiroz, em especial de Airton Queiroz, de Silvio Frota e de Igor Queiroz, filho de Maira, que desponta na terceira geração com uma coleção já digna de nota, aponta a vontade dos empresários em proporcionar formação artística na região. Esse caldo movimenta a cena local e aumenta a oferta de iniciativas públicas e privadas do gênero, como o Centro Dragão do Mar, a Caixa Cultural e o Centro Cultural Banco do Nordeste. Mas nem só da cena regional vivem os colecionadores cearenses: nos últimos anos, dentro das duas maiores feiras de arte do Brasil, SP-Arte e ArtRio, Airton doou dez obras a instituições como MAM-SP, MAR e Masp pela Fundação Edson Queiroz. Para ele, “a arte é capaz de transpor qualquer distância, de romper qualquer barreira”.

*Reportagem publicada originalmente na edição #21