Especialista em próteses, a britânica Sophie de Oliveira Barata desenvolve obras de arte para serem colocadas no lugar de braços amputados, pernas perdidas, dedos que se foram
Legenda: A modelo Viktoria Modesta, com perna desenhada por Sophie (Foto: Lukasz Suchorab)
Não era exatamente uma carreira em artes visuais o que Sophie de Oliveira Barata almejava. Essa inglesa de 33 anos estudou efeitos especiais na Universidade de Artes de Londres, realizou um estudo sobre próteses para serem usadas no cinema e acabou estendendo seu trabalho às salas de um estúdio que hoje atende pessoas amputadas e deficientes físicos.
Galerias e museus não estavam nos planos de Sophie até que, há cerca de cinco anos, a pequena Pollyanna pediu a ela uma perna nova com o desenho da Peppa Pig estampado na superfície. Em fase de crescimento, essa cliente mirim da inglesa trocava sua prótese de fibra de carbono todo ano. Começou aí a trajetória de uma carreira híbrida, com desenlaces no mundo das artes e interesse crescente das galerias. As próteses desenvolvidas por Sophie ganharam estilos diferentes. Passaram a ser pensadas como esculturas funcionais, feitas de materiais diversos, incluindo pedras preciosas e metais. Em outubro, a artista participará de sua primeira exposição coletiva, no Centre de Cultura Contemporània de Barcelona – a mostra Human+ reunirá trabalhos decalcados na relação entre tecnologia, o corpo e a mente.
Legenda: Prótese desenvolvida para a gerente de marketing Veronika Pete (Foto: Omkaar Kotedia)
Sophie conta em entrevista à seLecT que, até hoje, todas as peças que desenvolveu em seu The Alternative Limb Project foram pensadas para alguém em específico. “Mas seria incrível ser comissionada por galerias, já que tantas me procuraram, demonstrando interesse em minhas peças”, diz. Cathrine Kramer, curadora da exposição Human+ em Barcelona, diz à seLecT que o trabalho de Sophie pode ser considerado tanto design quanto arte. “É design, pois cria objetos que funcionam e despertam o nosso desejo. E é arte, porque desafia a noção do que é ter um membro amputado, redefine preconceitos em relação aos deficientes com uma nova forma.”
Supercorpos
Além das fotos que ilustram esta matéria, é possível conhecer o trabalho da artista no YouTube: Sophie desenhou diversas pernas para a modelo e cantora pop Viktoria Modesta, incluindo um membro rococó usado por ela na cerimônia de fechamento das Paraolimpíadas de 2012, em Londres. A peça foi feita com strass e cacos de plástico es- pelhado, toda ela cravejada com diamantes.
Atualmente, Sophie está esculpindo um braço para um jovem que perdeu o seu em um acidente. “Este é o meu primeiro braço mecânico com funções; ele vai poder abrir compartimentos, acender a luz, terá um controle embutido para pilotar um helicóptero de brinquedo e uma lanterna”, conta. A prótese está sendo desenhada com auxílio de um software, com imagens em 3D, e será fabricada em fibra de carbono, patrocinada por uma companhia de videogame. “O cliente também ama jogos de computador, então será uma combinação perfeita”, diz. Ela conta que, simultaneamente, está desenvolvendo uma perna para uma mulher, esculpida em estilo art nouveau, com metal de aspecto enferrujado.
Legenda: A designer inglesa Sophie de Oliveira Barata em seu estúdio em Londres
Questionada sobre a incidência de mutilados de guerra em sua clínica, ela diz que apenas um apareceu por lá: o inglês Ryan, que, durante uma operação no Afeganistão, foi amputado acima de um de seus joelhos. “Ele tinha uma mente bastante aberta e permitiu que eu interpretasse livremente suas ideias. Pediu algo orgânico, colorido, e queria ser capaz de olhar para baixo e ver os dedos.” A peça criada permitia ver uma estrutura que era similar a músculos e estrutura óssea reais. O pé era realista e os dedos tinham unhas e pelos coletados da nuca do militar.
Legenda: Prótese confeccionada para o militar Ryan, mutilado de guerra.
Segundo a artista, suas peças têm a capacidade de in- terferir na autoestima de seus clientes. “Algo que eles sempre relatam é que as próteses chamam atenção, e as pessoas interagem bastante quando veem um modelo estilizado”, diz. “Muita gente passa por eles e fala, ‘nossa, que legal, eu queria ter uma dessas’. Ninguém vai ser amputado para ganhar uma prótese, obviamente. Mas esse tipo de manifestação sinaliza que valorizaram aquilo que está ali e não o que está ausente.” Um elogio sincero às peças, ela finaliza, prova que é possível “deixar de olhar o deficiente com piedade”.