icon-plus
Postado em 02/03/2015 - 5:32
O toque da curadora
Paula Alzugaray

Oito brasileiros, selecionados por Marina Abramović, apresentam performances de longa duração em evento que integra a maior retrospectiva da artista na América do Sul

Ma_body1

Legenda: Performance Transmutação da Carne, de Ayrson Heráclito, em que cada performer é marcado com ferro incandescente e veste roupa de charque, evocando a história vil da escravidão negra no Brasil (foto: Edgard Oliva)

A cabeça é um poderoso centro energético para o artista, curador e professor baiano Ayrson Heráclito. Em suas Incorporações (2011), os performers têm as cabeças coroadas por comidas das mais diversas naturezas. O amendoim, o milho, o arroz, a pipoca e outros grãos ofertados em cerimônias religiosas afro-brasileiras e usados nas performances de Heráclito têm, digamos assim, certo poder de atração em relação aos minerais e pedras preciosas pesquisados por Marina Abramović em sucessivas viagens ao Brasil, desde 1989, e transmutados na série Objetos Transitórios para Uso Humano.

Heráclito está entre os oito artistas brasileiros selecionados por Abramović para apresentar performances de longa duração na exposição Terra Comunal/Marina Abramović + MAI, a partir de 10 de março no Sesc-Pompeia, em São Paulo. Ele apresentará Transmutação da Carne, em que articula simbolicamente torturas praticadas contra negros escravos no Brasil colonial.

O evento, anunciado como a maior retrospectiva da artista na América do Sul, divide-se em duas partes. A primeira compreende uma exposição com curadoria de Jochen Volz, com três instalações, todas resultantes de performances de longa duração, em que a artista permanece horas (a inédita 512 Horas); dias (The House with an Ocean View, 2002); ou meses (The Artist is Present, 2010) no espaço expositivo, na presença do público.

Na segunda parte, composta de uma série de eventos que introduzem no Brasil o método do Marina Abramović Institute (MAI), está inserida a curadoria assinada pela artista e as colaboradoras Paula Garcia e Lynsey Peisinger. Ayrson Heráclito, Fernando Ribeiro, Grupo Empreza, Maikon K, Marco Paulo Rolla, Maurício Ianês, Rubiane Maia, além de Paula Garcia, integram o projeto.

Garcia apresenta a performance Corpo Ruindo, um desenvolvimento da série Corpo Ruído (2010), em que colocava em confronto sensações de peso e leveza, colando ao corpo ímãs e resíduos metálicos. “Marina modificou a minha performance, deu um tom de longa duração a uma ação que lidava com a resistência ao peso e não com o tempo”, conta ela. A artista conta que em seu trabalho como colaboradora do MAI, em Nova York, habituou-se ao procedimento chamado Cleaning the House (Limpando a Casa), um workshop realizado com os colaboradores sempre antes de performances e exposições, em que a equipe fica cinco dias sem falar e sem comer, fazendo exercícios de longa duração. “Tipo separar arroz de lentilha por seis horas”, conta ela. “A longa duração é o legado da Marina. Ela fala que os projetos têm de ter, no mínimo, seis horas de duração.”

Além dos oito artistas agraciados pelo toque da curadora, o público brasileiro também poderá inscrever-se nos exercícios do MAI, a fim de experimentar a sensação “do tempo de estar consigo mesmo, em quietude e ausência de necessidades”.

*Reportagem publicada originalmente na edição #22