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Sérgio Sá Leitão (Foto: Divulgação)
Postado em 21/05/2020 - 4:14
Sérgio Sá Leitão fala em políticas públicas contra impacto da Covid-19
Secretário Estadual dea Cultura e Economia Criativa de São Paulo diz que a área da cultura tem R$ 3 bi retidos pelo Governo Federal e que o setor tardará em se recuperar da pandemia
Paula Alzugaray

A extrema vulnerabilidade dos trabalhadores e das instituições culturais brasileiras é dramática sob a pandemia da Covid-19, mas começou muito antes dela. Começou na participação acessória que lhes foi confiada na agenda de desenvolvimento social do país; começou na ausência de políticas públicas de fomento à formação cultural contínua; começou na inexistência de uma política para as artes, que possibilite a formação de valores culturais de base e não se restrinjam à difusão e acesso à programação cultural. Afinal, tal como estão formuladas no Brasil, as políticas públicas estão longe de dar sustentação à cultura no cenário de crise social e econômica que hoje se impõe, ou sequer protegê-la dos atentados ideológicos e irracionais que vem sofrendo de modo crescente. 

Mas se a pandemia é uma situação extrema que acelera mudanças em todos os níveis sociais, em vez de cobrar a urgência de políticas públicas, comecemos pelas medidas emergenciais que o momento pede. Ante os desserviços prestados pela Secretaria Especial da Cultura do governo federal, ouçamos o que os representantes públicos das esferas locais –  estadual e municipal – têm a dizer sobre cooperação em tempos de crise. Sérgio Sá Leitão, Secretário Estadual de Cultura e Economia Criativa de São Paulo, o estado brasileiro mais impactado pela crise do coronavírus, afirma que a cultura tem quase R$ 3 bi retidos pelo Governo Federal e que é um dos setores que tardará mais tempo em se recuperar no pós Covid-19. 

A pandemia tem mostrado que setores essenciais para a sociedade, como a cultura, não podem ser deixados à mercê da iniciativa privada. Atenções voltam-se para o papel do poder público. Em seu artigo publicado na Folha de S. Paulo, em 9/4, você coloca que o setor cultural e criativo foi um dos primeiros a sofrer “o efeito devastador da crise econômica e social gerada pela pandemia do novo coronavírus“. E convoca o governo federal a comparecer com programas de crédito e de fomento imediatos. Um mês e meio depois dessa chamada, e após o suicídio cultural cometido pela ex-Secretária Especial da Cultura, Regina Duarte, que possibilidade você vê de o governo federal comparecer com seu papel e criar uma política emergencial para a cultura?

De fato, as atividades culturais e criativas foram as primeiras impactadas pela crise gerada pela pandemia e o impacto foi devastador. Nós estimamos uma perda este ano na ordem de R$ 35,5 bilhões no setor cultural e criativo de SP, o que significa algo em torno de 1,7 % do PIB do estado. A economia criativa é uma das dez principais áreas da economia do estado de São Paulo e a perda será muito expressiva. E deve ser um dos setores cuja recuperação demorará mais tempo, por suas características e, claro, pela questão do risco de contágio enquanto perdurar a pandemia. Será uma volta necessariamente lenta no setor cultural e criativo. Isso evidencia a necessidade de políticas públicas específicas para além daquelas mais gerais, e políticas com sentido anticíclico. 

No que diz respeito ao governo federal, o que tenho frisado sempre, e reitero aqui, é que ele tem à disposição o Fundo Nacional de Cultura, onde há pelo menos R$ 860 milhões disponíveis, e também o Fundo Setorial do Audiovisual, onde há pelo menos R$ 2,100 bilhões disponíveis. Sendo que, cerca de R$ 1 bilhão poderiam ser destinados a projetos já selecionados em 2018, e que não foram contratados nem pagos. O governo federal tem esses dois instrumentos à disposição. É realmente muito difícil entender porque não utiliza. É realmente uma negação total da relevância, seja social ou econômica, do setor cultural e criativo.

Estamos fazendo uma grande articulação via Congresso Nacional para a aprovação de um Projeto de Lei de ajuda emergencial ao setor cultural e isso está tramitando, o PL 1075. Penso ser possível viabilizar uma ajuda emergencial a espaços e instituições culturais por meio deste mecanismo que merece e justifica o esforço do setor cultural em torno dessa bandeira. Ainda não perdi totalmente a esperança em relação a recursos federais, mas penso que é mais provável que venham via Congresso do que via uma ação específica do governo federal. 

Com a ausência de medidas relevantes por parte da Secretaria Especial de Cultura, concluímos que é nas esferas estadual e municipal que se concentram as políticas públicas em favor do setor cultural, no contexto da pandemia. Existem ações unificadas entre os poderes públicos locais – estadual e municipal – em São Paulo? Como isso se dá? 

Em relação ao que estamos planejando fazer, seja em âmbito estadual ou municipal, eu mencionaria, em primeiro lugar, que, já na terceira semana de março, nós procuramos lançar duas linhas de crédito específicas: Desenvolve SP para empresas com faturamento de até R$ 10 milhões e Banco do Povo, operações para empresas com faturamento de até R$ 360 mil. Com capital de giro de R$ 200 milhões para o Banco do Povo e, no Desenvolve SP com R$ 500 milhões – recursos do Governo do Estado para o apoio emergencial via crédito com taxas de juro subsidiadas e condições muito facilitadas. Lançamos as linhas como uma dupla medida anticíclica. A demanda foi gigantesca, superou em mais de 20 vezes o capital que foi disponibilizado, o que revela o quão aguda é a crise. 

Além disso, estamos trabalhando no Plano São Paulo, de retomada progressiva e responsável das atividades, e há um capítulo específico para Economia Criativa; nós também estamos formulando o novo Juntos Pela Cultura, lançado no ano passado, com um viés muito municipalista, voltado para o interior e o litoral, mas que também abrange a capital, que é um programa de difusão cultural que está sendo reformulado para torná-lo virtual – o que vai significar uma injeção de recursos na produção cultural do estado de SP. Estamos também planejando os editais do ProaC e o ProaC ICMS para o ano de 2020. Queremos lançar logo e estamos adaptando os regulamentos e as regras para esta nova realidade, de maneira a fazer com que os recursos alcancem uma gama ainda maior de projetos e possam ser disponibilizados imediatamente, como a urgência do momento exige. Temos dialogado muito com a Prefeitura de São Paulo, que tem também um conjunto de ações e esperamos com isso dar uma resposta à crise.

Em que proporção as linhas de crédito estão efetivamente alcançando os profissionais da arte, da cultura e da economia criativa?

As duas linhas de crédito lançadas tiveram uma demanda superalta, que superou a nossa expectativa. Nesse momento, estamos tentando capitalizar essas duas instituições com outras fontes, porque o governo de SP não tem mais como colocar recursos. É preciso dizer que as finanças do estado e dos governos municipais também foram impactadas pela crise gerada pela pandemia do coronavírus – tivemos uma queda de arrecadação muito expressiva em abril e também teremos em maio, em junho, pelo menos até julho e agosto. Isso coloca o Estado numa situação muito difícil. Diferentemente da União, o estado não tem reservas financeiras, vive daquilo que arrecada, não pode imprimir títulos, não pode imprimir papel moeda, não pode elevar sua dívida sem autorização do Congresso Nacional e sem que o governo federal se disponha a ser o fiador, enfim, uma série de limitações. Mas estamos tentando capitalizar a Desenvolve SP e o Banco do Povo via BNDES, via Sebrae, via Banco dos BRICS e outras instituições.

Temos certeza que um número expressivo de empresas, tanto micro quanto médias do setor cultural e criativo conseguiram receber recursos dessas duas linhas de crédito. Isso deve ter significado um aumento do fôlego e da capacidade para atravessar o momento. Por exemplo, o Cine Belas Artes conseguiu recursos que permitirão que o cinema se mantenha a despeito de estar com as atividades suspensas e darão a ele condições de retomada quando isso for possível. Outras centenas de micro e médias empresas do setor cultural e criativo, como o Cine Belas Artes, conseguiram o recurso.

Os créditos alcançam artistas em situação de vulnerabilidade? 

Em relação aos artistas, técnicos e profissionais da Cultura que se encontram em situação de grande vulnerabilidade, nós começamos junto ao Fundo Social do Estado de São Paulo um eixo do Programa Alimento Solidário voltado para esse hall de profissionais da cultura. Na semana passada, fizemos uma primeira distribuição de 1.334 cestas de alimentos para famílias circenses, que garantem a quatro pessoas satisfazerem suas necessidades alimentares durante 30 dias, graças a uma doação da Sabesp e do Dia Supermercados. Queremos estender este programa para outras áreas e temos um número significativo de famílias cadastradas, da música, do teatro e da dança, além do circo, e estamos angariando doações para viabilizar a expectativa de distribuir mensalmente 3.500 cestas por, pelo menos, três meses. 

A pasta da Cultura e da Economia Criativa teve um contingenciamento de R$ 69 milhões, que representa 7,9% do orçamento da Secretaria (que este ano é de R$ 876, 5 milhões). Como a Secretaria está administrando essa restrição? 

Sim, tivemos um contingenciamento determinado em abril, que atingiu a soma de R$ 3 bilhões considerando o conjunto do Governo e, no nosso caso específico da Secretaria de Cultura e Economia Criativa, atingiu o valor de R$ 69 milhões, cerca de 8% do orçamento total. Esse contingenciamento foi destinado aos repasses para as Organizações Sociais, que realizam a gestão das instituições culturais que formam o ecossistema cultural do governo do estado de SP nos meses de maio, junho e julho. 

Realizamos um processo de discussão com as Organizações Sociais para definir como o contingenciamento se aplicaria e em conjunto com elas definimos esse modus operandi. Procuramos preservar ao máximo os postos de trabalho, por isso sugerimos que as OS se valessem de duas medidas provisórias lançadas pelo governo federal que permitem a redução de jornada ou a suspensão temporária de contratos de trabalho com uso de recursos de seguro-desemprego, mas, por outro lado, tendo como contrapartida a estabilidade posterior ao fim da redução de jornada. 

É um mecanismo que não prejudica os trabalhadores e permite um alívio financeiro para as instituições. Claro que o contingenciamento não é positivo, especialmente quando as instituições estão com as atividades paralisadas, mas eu diria que foi pequeno considerado o total de R$ 3 bilhões para o conjunto do governo, e o impacto da crise gerada pela pandemia nas finanças do estado. 

A maior fatia dos investimentos em Cultura sempre foi direcionada para a difusão cultural, compreendendo atividades que hoje estão inviabilizadas pelas medidas de isolamento social. A Plataforma #Culturaemcasa está suprindo parte da demanda por cultura, tratando de distribuir “alimento cultural” para a população. Mas que outras ações são emergenciais nesse momento? Por exemplo, como está sendo feita a capacitação digital para o consumo de cultura, a fim de diminuir a “desigualdade digital”?

Lançamos há cerca de um mês a plataforma Cultura em casa, de streaming e vídeo por demanda com acervos culturais de grande qualidade, relevância  e diversidade também – mais de 500 conteúdos que podem ser acessados por meio do site www.culturaemcasa.com.br. São acervos das nossas instituições culturais, mas também estamos realizando parcerias para ampliar o conteúdo, além de adquirir material de artistas e produtores independentes. Neste caso, estamos licenciando os conteúdos, o que significa geração de renda para o setor cultural e criativo. Tanto o Juntos Pela Cultura 2020, que lançaremos em breve, quanto o ProaC editais, que espero lançar em breve, serão meios de geração de conteúdos para a plataforma Cultura em Casa, que já teve 350 mil visualizações em cerca de 30 dias, um resultado muito bom que tende a se ampliar. É preciso dizer que é um programa que veio para ficar, porque é um programa de difusão digital. Temos feito lives diárias com artistas e aulas com assuntos e temas dos campos da arte e da cultura por meio dessa plataforma, que será uma das prioridades da Secretaria no momento pós-pandemia. 

Gostaria de comentar o remanejamento da Secretária Especial da Cultura, Regina Duarte, para a Cinemateca?

A saída da atriz Regina Duarte da Secretaria Especial de Cultura demonstra o desprezo do presidente por um dos maiores ativos do Brasil, que gera 2,64% do PIB e 4,9 milhões de empregos. Seu (des)governo está destruindo as instituições e programas federais de cultura. Lamentável.

Mas e quanto à sua ida para a Cinemateca? Será que pelo menos ela levará com ela o repasse de uma parcela do orçamento anual atrasado?

Duvido…