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Postado em 10/09/2021 - 10:11
#tbt34
Fazendo um panorama da recessão de 2017, edição dedicada ao mercado de arte mapeia estratégias criativas e críticas
Da redação

“Pare de pintar e comece a imprimir dinheiro”, sentencia a pintura estampada na capa da seLecT #34, de Álvaro Seixas. O iconoclasta mais amado da arte brasileira desde Nelson Leirner realiza uma ocupação editorial, tomando de assalto páginas ao longo de toda a revista com uma arte panfletária às avessas. “Aí vem mais uma feira de arte”, lemos no balão sobre a cabeça da figura desenhada para emular O Grito (1893), de Edvard Munch, e sua respectiva tradução em emoji, não deixando claro se está referenciando a cópia ou o original. Em seguida, o artista retrata um homem de terno usando óculos escuros que carrega inscrito no paletó: “Collector”, de um lado, e “Please, 10% de desconto” do outro. O próprio “colecionador” tem uma etiqueta presa perto da barra da calça em que se lê “10% OFF”, sugerindo que o clichê ambulante também anda desvalorizado.

Na obra com título autoportante, “Sotheby’s Desert”, vemos o conjunto de pirâmides de Gizé retratadas e “legendadas”: Quéops representa a arte chinesa, Quéfren, a arte europeia, e Miquerinos, a arte estadunidense. Já as mastabas, aquelas pirâmides nanicas que completam o complexo funerário de Gizé, correspondem, na pintura-panfleto de Seixas, respectivamente, à arte latino-americana, às artes decorativas e aos vinhos raros. A ambiguidade do Deserto da Sotheby’s (2016-2017) oscila entre uma escala de valores e uma crítica aos atributos fúnebres de uma casa de leilão. É perturbador, folheando a revista, encontrar entre uma reportagem que investiga as estratégias das galerias de arte para desbravar o mercado internacional e um ensaio que analisa como os acervos dos museus se constituem historicamente a partir de práticas diversificadas de colecionismo e comercialização da arte, um pastiche de Mickey Mouse alarmado que anuncia “Oh shit!!! Another artist is born”, seguido de uma espécie de retrato do “artista intelectual”, em que se lê: “Eu sou um dos mais relevantes artistas da minha jovem geração segundo o release que eu mesmo escrevi”.

Reportagens de fôlego, sobre o papel dos curadores na validação institucional e consequente valorização comercial; sobre a Dança das Cadeiras no cenário recente dos museus paulistanos e cariocas; e sobre novos modelos de negócio que arejam espaços culturais nascentes, entre outras, que se encadeiam mapeando e promovendo uma reflexão relevante sobre o estado de coisas em meio à crise econômica de então, são desterritorializadas e ressignificadas pelas obras de Álvaro Seixas. O artista como metaeditor da narrativa da edição #34 encerra a sua função disruptiva vaticinando: “Destrua os seus demônios internos”, frase em que a primeira palavra é riscada e substituída com destaque por “Venda [os seus demônios internos]”. Do deboche ao sincericídio, a ocupação do artista põe a nu a alma do mercado de arte. Touché. Releia aqui.

Capa da SeLecT #34
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