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Postado em 10/02/2012 - 3:40
Um parque de diversões chamado Google
Nina Gazire

Artivistas apropriam-se de uma das maiores empresas do mundo para contestar, fazer arte ou dar muita risada

“Don’t be evil!” (Não seja mau!) é o slogan do Google, empresa avaliada em US$ 39,7 bilhões e a quinta marca mais valiosa do mundo. Esse preceito “googleano” serviu como provocação para alguns artivistas dispostos a tudo para questionar o monopólio e o poderio econômico da empresa. É o caso do polonês Piotr Parda, do holandês Constant Dullaart e da parceria entre o duo, suiço-austríaco-norte-americano, UBERMORGEN com os italianos Alessandro Ludovico e Paolo Cirio. Eles protagonizam notórios casos de mobilização ideológica – ou gozação mesmo –, que também podem ser interpretados como trabalhos artísticos.

Em 2002, Piotr Parda realizou On Ocasion, uma série de trabalhos modificando a logomarca do Google, que causou muita polêmica. Retrabalhando as letras, ele fez uma espécie de Google Doodle – modificações temáticas no logo da empresa – com temas como nazismo, Ku Klux Klan e os conflitos de Darfur, no Sudão. O artista questionava a estética do Google e também o fato de o logo fazer, então, apenas modificações que celebrassem eventos norte-americanos, apesar de seu alcance ser mundial. “Senti necessidade de criar meus próprios rabiscos, em vez de ‘assumir’ o Google como uma ‘ideologia’ ou um ‘sistema’. Senti a necessidade de pintar os doodles usando lápis-aquarela. Na verdade, todos os logos de On Ocasion, que foram expostos em galerias de diferentes partes do mundo, são aquarelas scaneadas”, diz o artista.

Doodle

Legenda: “Doodle” de Parda para os conflitos de Darfur (reprodução)

Constant Dullaart, outro netartista, questionou a hegemonia da empresa em Google Disco Disease (Doença Disco do Google), de 2009. Nessa obra, ele apresenta buscas por imagens relacionadas à palavra disease, inserindo uma solicitação de cor específica associada à busca (azul, amarelo ou vermelho, por exemplo). As páginas de resultados são apresentadas em sequências cronometradas, criando um certo clima discoteca, com direito a trilha sonora de fundo.

Um dos mais polêmicos projetos, contudo, é o Google Will Eat Itself (O Google Comerá a Si Próprio), de 2005, de autoria do UBERMORGEN com os artistas Alessandro Ludovico e Paolo Cirio. A intenção do projeto era implodir o Google comprando todas as ações da empresa. “A motivação prévia para a Google Will Eat Itself foi o desgosto com os projetos de arte com o Google”, comentou Hans Bernhard, do UBERMORGEN.

Gwei

Legenda: Site “Google Will Eat Itself” (reprodução)

Em GWEI, sigla pela qual o trabalho ficou conhecido, a dupla produz anúncios com o Google Adense, serviço de publicidade oferecido pelo site, exibindo-os em sites de redes privadas ligadas aos autores do trabalho. Com o dinheiro gerado pelos anúncios, eles compram ações do Google com o objetivo de se tornarem, gradualmente, proprietários.

Caso o empreendimento dê certo, prometem entregar todas as ações para o GTTP Ltd. (Google To The People Public Company), de propriedade dos artistas criadores do projeto. Essa associação, a GTTP Ltd., é encarregada de receber clicadores que se cadastram voluntariamente para acessar os anúncios providos pelo AdSense criados pelos artistas.

Atualmente, o GWEI detém 819 ações do Google, que, somadas, valem mais de US$ 400 mil. Esse dinheiro foi arrecadado com base em mais de 1,5 milhão de cliques em anúncios e é enviado para uma conta aberta em um banco da Suíça. Com base nos ganhos atuais, o artista Bernhard, do UBERGMORGEN, calcula que dentro de 200 mil anos eles se tornarão os donos da empresa.

Anônimos e divertidos

Nem só transgressão e rebeldia fazem a Google Arte. Grande parte das apropriações é feita de irreverência e brincadeira. Um desses exemplos é Where in The World Is The Loira do Banheiro? (Em Qual Lugar do Mundo Está a Loira do Banheiro?), do brasileiro José Carlos Silvestre. Foi em 2007 que o artista, ao realizar um trabalho para uma disciplina do Programa de Pós-Graduação em Tecnologias da Inteligência e Design Digital da PUC-SP, criou uma das obras mais divertidas da rede. O trabalho é um dos primeiros a se apropriarem de outra ferramenta do Google, o Google Maps.

Loira

Para isso ele escolheu a famosa lenda urbana da Loira do Banheiro, em que o suposto espírito de uma estudante assombra os banheiros das escolas em diferentes partes do mundo. Muito mais do que aguçar a curiosidade adolescente ou de quem acredita na história, a brincadeira acabou por revelar que existem diferentes versões do “mito” atraindo participantes de outros lugares do planeta.

Participar de Where in The World is The Loira do Banheiro? é simples. Basta acessar o site e dar as coordenadas locais da última visão do fantasma. Se possível, relatar de que maneira o encontro se deu e clicar em enviar. Os dados serão adicionados ao registro e em seguida um fantasminha aparecerá no Google Maps indicando o local de ocorrência do fenômeno. 

“Como história de fantasma é uma espécie de meio-termo entre o documental e o criativo, achei que seria uma boa forma de começar a trabalhar com o Google. Você pode seguir um viés mais propriamente político, mas também partir da importância que esses sistemas ganharam para a nossa subjetividade e expor sua influência por meio da subversão tecnológica”, diz Silvestre.

Nem todos os projetos famosos têm autoria conhecida. Clássicos como Google Gravity, que ao ter a página aberta provoca um efeito de desabamento do logo do Google, ou o Google Fight, em que um mecanismo simula a luta entre dois termos quaisquer pelo título de mais procurado, são trabalhos anônimos e que fazem a graça desse grande parque de diversões chamado Google.

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Legenda: Resultado da busca por “revista SeLecT” no Google Gravity (Reprodução)

Ainda nessa onda estão outras “performances” como o Google Winnie, no qual o logotipo vai diminuindo gradativamente, o Google Epic, em que o logo vai aumentando até ocupar a tela inteira, e o Google Demolition, onde a marca é implodida. Os responsáveis por essas empreitadas não deram as caras, mas suas criações são citadas por qualquer um que se diz especialista em “Google Fun”.

Talvez o trabalho que resume melhor toda a ambiguidade do Google, curiosamente, não se dê em rede, mesmo utilizando o Google Street View para transformá-lo em uma animação. Criado, em 2011, pela The Theory, produtora inglesa de filmes publicitários, Address Is Approximate (Endereço Aproximado) é realizado por meio da técnica de stop motion e tem enredo estilo Toy Story. Os brinquedos que enfeitam a mesa de um escritório ganham vida quando o ambiente está livre da presença humana. O desejo de abandonar o lugar, ainda que impossível de ser realizado no “mundo real”, é atingido quando os robozinhos usam um carro de brinquedo estacionado em frente à tela do computador. Eles simulam uma viagem pelo Google Street View, percorrendo diferentes lugares do mundo.

Legenda: “Address Is Approximate”, animação da produtora inglesa The Theory

O Google, que se tornou a principal porta de entrada para a internet, nos dá um pouco dessa ilusão de Address is Approximate: a de nos possibilitar “viajar” pelo mundo infinito da informação e, de vez em quando, nos fazendo esquecer de que há um lindo dia de sol brilhando lá fora.

Publicado originalmente na edição impressa #4.