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Vista da exposição Artigos para Presente, de Daniel Barreto [Foto: cortesia Projeto Vênus]
Postado em 23/05/2024 - 3:42
Daniel Barreto, Matisse e a infância
Últimos dias para visitar a exposição individual do artista fluminense na galeria Projeto Vênus, em São Paulo

As telas coloridas, estranhamente acabadas em barrados de tinta ou de madeira. As pinturas abstratas com padronagens à Matisse, com naturezas-mortas à Matisse, figurativas à Matisse. Artigos para Presente, exposição de Daniel Barreto no Projeto Vênus, em São Paulo, é a afirmação da implosão de quaisquer diferenciações entre figurativo /abstrato ou dualismos como materialidade /perspectiva.

O olhar flana entre a representação de um vaso de flores e frutas displicentemente dispostas sobre uma mesa, os ladrilhos ou padrões de um papel de parede e a repetição do gesto abstrato, ora geométrico, ora informal. Artigos para Presente é sobretudo um presente para os olhos.

Descobrem-se as obras no jogo convencional de aproximação e recuo, mas também nas espiadas das beiras, dos vãos, dos acréscimos de tela sobre tela no interior de algum dos trabalhos. Desvanecem-se as dúvidas do impulso da visada all-over (aquela pressuposta pelo expressionismo abstrato e sua habilidade de não ter ponto focal, fazendo os olhos vagarem sem descanso) focalizando todas as narrativas contidas nas obras.

Papo sério de pintura? Sim e não. Lembremos que a mostra Artigos para Presente, de Daniel Barreto, acontece no Projeto Vênus, onde nada é o que parece à primeira vista. Há galerias que nos convidam a consumir; outras que nos convidam a pensar. Convém não consumir sem pensar. Barreto é um artista fluminense de Volta Redonda, com formação em design e passagem pela indústria têxtil e por cursos de pintura no Parque Lage. Ele trabalha com tinta óleo e assume a influência do expressionismo abstrato, assim como da iconografia da infância, de toalhas e panos de prato.

Entre a imagem gráfica de um detalhe proustiano da infância e a tela matissiana que faz equivaler figura, fundo, objetos retratados e objetos representados nos tecidos, ou seja, o precursor e superador do expressionismo abstrato, Daniel Barreto faz desfilar as lembranças nítidas, materializadas, da parada na estrada depois do túnel, na Serra d’Água, a Caminho de Angra dos Reis, o Elba vinho, carro do pai, túneis velhos, refletindo a complementaridade entre Jorge Ben e João Gilberto; Barreto plasma o instante de plenitude num canto de tela, que segue a narrativa da memória até o agora e vice-versa.