O mundo nunca teve tantos refugiados e deslocados desde o pós-Guerra: 65 milhões. A cada minuto, 24 pessoas fogem de seus países, devido a conflitos ou perseguições políticas. Os dados falam por si e revelam uma crise migratória mundial. A resposta para esta crise, contudo, não tem sido satisfatória. Enquanto os números em relação aos refugiados não param de crescer, as políticas migratórias retrocedem.
Ciente desse cenário, o presidente Barack Obama propôs uma importante reforma migratória nos Estados Unidos, que pretendia entregar permissões temporárias de residência e trabalho a quase metade dos migrantes irregulares no país. Porém, a Suprema Corte americana barrou a proposta, em 23 de junho, deixando milhões de pessoas “sem papéis” na mira da deportação.
O Brasil, por sua vez, está longe de ser exemplo de política migratória moderna e eficaz. A lei que trata das migrações no País é o Estatuto do Estrangeiro, redigido em 1980, durante a ditadura militar. Não por acaso, as principais palavras dessa legislação são “segurança nacional”. Do outro lado da fronteira, a Lei de Migrações da Argentina mostra a outra face da moeda: uma lei aberta e respeitosa com aqueles que, por decisão própria ou obrigados, tiveram de deixar seus países. A lei argentina assegura o cumprimento dos “compromissos internacionais da República em relação aos direitos humanos, integração e mobilidade dos migrantes”. No Brasil, a aplicação da lei de migrações “atender-se-á precipuamente à segurança nacional, à organização institucional, aos interesses políticos, socioeconômicos e culturais, bem como à defesa do trabalhador nacional”. A diferença entre os textos é clara.

A chegada de Mauricio Macri à Presidência argentina enviou sinais de um possível retrocesso na política migratória. A nova Direção de Migrações argentina, comandada por Horacio García, mostrou sua preocupação pela “frouxa política migratória de Cristina Kirchner” e se propôs a endurecê-la. Porém, o potencial de impopularidade que isso poderia gerar levou Macri a rever seus posicionamentos. Como resultado, em julho, o presidente argentino anunciou que daria refúgio a 3 mil sírios, o que gerou aplausos da comunidade internacional.
No Brasil, que, por sua vez, está envolto em uma crise política e econômica sem precedentes, a impopularidade não é algo que parece preocupar o presidente interino, Michel Temer. Em junho, Temer decidiu suspender negociações com a Europa para receber refugiados sírios. Seu ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, justificou: “A decisão segue uma nova – e mais restritiva – postura do governo quanto à recepção de estrangeiros”. Ainda mais?
Atualmente, a revisão da política migratória no Brasil depende de dois Projetos de Lei (PL) que tramitam na Câmara dos Deputados. O PL 2516/2015, também conhecido como Nova Lei das Migrações, foi apresentado pelo senador Aloysio Nunes (PSDB/SP), em agosto de 2015, e aprovado em Comissão Especial da Câmara dos Deputados em 13 de julho. O projeto, porém, está recebendo críticas por parte da comunidade migrante. As principais são o poder dado à Polícia Federal para decidir quem entra, permanece ou deve ser deportado do País e a exclusão legal de migrantes que estejam em situação irregular.
Com o objetivo de fazer uma lei mais adequada às necessidades dos migrantes, o deputado Jean Willys (PSOL-RJ) redigiu o PL 5293/2016. Em entrevista à seLecT, o deputado especificou os detalhes da proposta: “Meu projeto tem por objetivo eliminar do nosso ordenamento jurídico as normas inconstitucionais, autoritárias e retrógradas que vedam aos estrangeiros que residem no Brasil a possibilidade de participar da vida política e social”. Por enquanto, não existe previsão de qualquer um dos projetos ir a votação em Plenário. “O meu PL hoje tramita em Comissão Especial, está em fase de discussão na Câmara dos Deputados e terá de ser votado em Plenário, ao sabor dos interesses e conveniências políticas”, explica Willys.

Mas nem tudo é mel e nem tudo é fel no país tropical. No meio do démodé Estatuto do Estrangeiro, a cidade de São Paulo coloca-se como referência mundial em políticas para migrantes. Prova disso é a cidade ter sido escolhida como sede do maior evento sobre migrações do mundo: o Fórum Social Mundial de Migrações, que aconteceu entre 7 e 10 de julho. A principal razão é a Política Municipal para a População Imigrante, aprovada pela Câmara Municipal da cidade e sancionada pelo prefeito Fernando Haddad também em 7 de julho. “Essa ação assegura as políticas públicas para a população imigrante como uma política de Estado”, explica Camila Baraldi, coordenadora de Políticas para Migrantes da cidade de São Paulo. A legislação local, segundo Baraldi, é um avanço importante que pode influenciar a esfera federal. “Com essas ações temos mais elementos de pressão no âmbito federal e apresentamos alternativas concretas e bem-sucedidas à atual legislação”, afirma.
Adama Konate, imigrante malinês e membro da Comissão de Mobilização do FSMM 2016, fala sobre as “lições de casa” da prefeitura de São Paulo e do governo federal. “A prefeitura de São Paulo precisa trabalhar na integração dos migrantes, para evitar casos de xenofobia. Além de acolher, é preciso desenvolver projetos de acompanhamento da situação dos migrantes. Por outro lado, o governo federal tem de facilitar o documento permanente para os migrantes, não o temporário. Precisamos ter os mesmos direitos que os cidadãos brasileiros.”
Diante da maior crise migratória desde a Segunda Guerra Mundial, as políticas voltadas aos migrantes são foco de discussão. Por questões de humanidade ou de imagem – a Alemanha, por exemplo, melhorou sua reputação internacional após assumir uma política favorável aos migrantes –, os governos decidem acolher ou não migrantes. Independentemente das razões, faz-se urgente a instauração de políticas migratórias, cujas bases estruturais sejam os direitos humanos. Esse é o mínimo que podemos exigir do século 21.
