Tanto no Brasil como nos Estados Unidos, o florescimento da arquitetura moderna foi acompanhado por um consistente movimento na fotografia. Há um paralelismo entre a boa arquitetura e a boa fotografia. Em meados do século 20, fotógrafos como Marcel Gautherot, Peter Scheier e Chico Albuquerque criavam uma poética autoral ao mesmo tempo que documentavam obras dos mestres brasileiros Oscar Niemeyer, Lucio Costa, Vilanova Artigas, Lina Bo Bardi e Afonso Eduardo Reidy, entre outros. Nos EUA, na mesma época, as fotos de Julius Shulman (1910-2009) serviram como verdadeiras peças publicitárias para a arquitetura moderna. Suas lentes consagraram casas criadas dentro da vanguarda artística da Califórnia e ajudaram a popularizar a arquitetura junto ao grande público norte-americano com uma linguagem que se aproximava da propaganda.
Obras de mestres como Richard Neutra, Craig Ellwood e a dupla Charles e Ray Eames estão entre as que fotografou. Shulman trabalhou na revista Arts & Architecture, uma publicação que incentivava o experimentalismo. O fotógrafo não media esforços na tentativa de conseguir o ângulo perfeito: para registrar sua imagem mais célebre – a foto da Case Study House #22, do arquiteto Pierre Koenig, com a cidade de Los Angeles ao fundo –, ele projetou o próprio corpo para fora da laje da residência. No processo de criação dessa série, assistentes seguravam galhos arrancados do jardim para criar uma massa de textura na parte superior da imagem. A composição da foto era assim feita como uma pintura. O importante não era só registrar imagens daquele espaço, mas também tornar a arquitetura bonita e sedutora para possíveis clientes e leitores.
Enquanto Schulman, nos Estados Unidos, se aproximava da publicidade, no Brasil a tradição da fotografia de arquitetura emergia do jornalismo. Criava-se aqui, sobretudo a partir da década de 1950, uma identidade própria, autêntica, para os ensaios fotográficos: além de retratarem a arquitetura, as fotos eram crônicas sociais do contexto histórico. Marcel Gautherot, por exemplo, visitou diversas vezes Brasília a partir de 1958, quando se iniciava a construção da cidade. As imagens do franco-brasileiro não apenas mostram as belas formas dos edifícios de Niemeyer e o traçado urbano de Lucio Costa como também o trabalho no canteiro de obras e as atividades dos chamados candangos – os primeiros habitantes da cidade moderna, que foram para a região para trabalhar nas obras.
Gautherot acaba por expor uma dimensão preciosa, mas frequentemente invisível da arquitetura: o processo de construção. Além disso, a atmosfera metafísica da cidade, construída do zero em três anos, permeia fotos das superquadras e do eixo monumental com seus canteiros a pleno vapor, envolvidos por uma densa neblina.
A relação com o fotojornalismo também aparece na obra de outros pioneiros. Peter Scheier – colaborador da revista O Cruzeiro – teve fotos publicadas nos livros criados para exposições no MoMA de Nova York, nos anos 1940 e 1950, sobre a arquitetura brasileira.
Já Chico Albuquerque (1917-2000), mais próximo da obra de Shulman, vinha da publicidade. A crônica sobre os usos da arquitetura também aparecia nos seus ensaios por meio da inserção da figura do arquiteto como usuário do espaço construído. Esse é o caso das célebres fotos de Lina Bo Bardi em sua casa de vidro, contemplando as vistas da escada e da sala – hoje ícones da fotografia de arquitetura no Brasil. A obra de José Moscardi, menos conhecida e estudada, apesar da grande importância, focou principalmente a modernidade de São Paulo, em especial o brutalismo de Vilanova Artigas e Paulo Mendes da Rocha. Todos esses fotógrafos, entre os anos 1940 e 1960, são assíduos colaboradores das publicações de arquitetura brasileira da época, como Acrópole e Módulo – de Oscar Niemeyer – e Habitat – de Lina Bo Bardi.
Registros contemporâneos
A presença do fotojornalismo nos ensaios de arquitetura adentra a década de 1970 com influente presença de Cristiano Mascaro. Entre 1974 e 1988, ele coordena o Laboratório de Recursos Audiovisuais na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, de onde obteve também diploma em 1968. Mascaro representa uma transição na tradição da fotografia de arquitetura no Brasil: do fotojornalismo para uma produção feita por fotógrafos-arquitetos.
Entre seus principais discípulos na FAU-USP está Nelson Kon, hoje celebrado por publicações internacionais como um dos principais fotógrafos de arquitetura do mundo. Kon procura representar o espaço arquitetônico minimizando distorções nas dimensões do espaço por efeitos ópticos. Dessa forma, aproxima-se de uma estética realista, como se pudéssemos nos transportar para dentro da obra. Ele é uma espécie de militante na defesa de uma arquitetura contemporânea afiliada ao modernismo. Tem uma predileção por trabalhar com arquitetos que exploram linhas puras e soluções construtivas racionais. Dessa forma, revela obras de escritórios como MMBB, SPBR e Andrade Morretin, entre outros.
Compõem ainda a seleção brasileira de fotógrafos de arquitetura outros nomes como Romulo Fialdini – reconhecido pelas fotos de espaços internos e estilo de vida – e Leonardo Finotti – que tem uma gigantesca documentação de projetos pelo mundo, incluídas obras de arquitetos ainda pouco publicados, como o paraguaio Solano Benítez.
Uma nova geração de fotógrafos, também graduados em arquitetura, muito influenciada pela obra de Kon, dá continuidade à tradição brasileira. Pedro Vannucchi, por exemplo, faz um trabalho cuidadoso: não diferentemente de alguns mestres, ele pode demorar horas para posicionar a câmera em busca de precisão geométrica.
Outro novo expoente da fotografia de arquitetura no País é Pedro Kok, que, além das fotos, explora as possibilidades de imagens em movimento. Seus filmes são pensados como composições fotográficas e seus trabalhos já foram expostos em museus como o Centre Pompidou, em Paris, além de estampados em publicações como a revista italiana Domus.
Analógico e digital
Desde os tempos do Case Study, a foto de arquitetura mudou. As pesadas máquinas analógicas deram lugar às ágeis digitais reflex, conhecidas como DSLR, munidas de lentes tilt-shift, que corrigem distorções de perspectiva e possibilitam o reenquadramento horizontal e vertical da imagem. Softwares de edição são capazes de colar e fundir enquadramentos, algo antes feito em laboratórios especializados. Hoje, 20 arquivos podem ser emendados digitalmente para ampliar o campo de visão de uma imagem.
No entanto, nem tudo deixou de ser o que era. A foto de arquitetura permanece como um dos nichos mais técnicos da fotografia, envolto em buscas meticulosas por paralelismo de linhas verticais na imagem e pela luz perfeita para criar contrastes. As composições pretendem transmitir emoções, além de documentarem a imagem de um espaço. Mais que isso, em uma relação mutualística, a boa fotografia de arquitetura depende da boa arquitetura, assim como a boa arquitetura precisa de sua fotografia.
*Reportagem publicada originalmente na #select23