Bioma mais arrasado pela monocultura, há dez anos superando as taxas de desmatamento ilegal da Amazônia, o Cerrado abriga nascentes de nove das doze bacias hidrográficas e dos maiores rios brasileiros. Além de ser um epicentro da catástrofe ambiental e a caixa d’água do Brasil, o centro-oeste é um rico celeiro de produção e diversidade artística, cultural e musical. Dessa terra fértil vermelha brotam hoje projetos artísticos e pedagógicos potentes e uma profusão de coletivos que estão mudando o modo como o sistema de arte opera no Brasil. Em sua sexta edição, a Feira de Arte de Goiás – Fargo, até domingo, 19/5, tem um papel chave nesse processo.
A Fargo surgiu para atender a uma necessidade de visibilização de artistas sem galeria da região centro-oeste. O projeto segue forte. “A intenção é, daqui do centro do Brasil, ir pulverizando oportunidades. Já existem as feiras grandes no perfil Rio-SP, mas a gente tem o compromisso de fomentar a nossa região”, diz a diretora Wanessa Cruz à celeste. “Se não temos galerias para representar o mercado de arte primário, que tínhamos em Goiânia nos anos 1980 e 1990, temos a arte e os artistas. Então vamos nos unir. Como fizemos a primeira edição da Fargo? Orientamos os artistas a se organizar em coletivos. Agora, eles são muito fortes e trabalham profissionalmente da mesma forma que uma galeria, com curadorias, expografia, vendas, em trabalhos de grupo”.
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OUTRA ECONOMIA
Os coletivos são a cara e a identidade da Fargo. Entre eles, estão Rensga, A Pilastra, Muquifu, Lote 01, Clã-destinos, Rumos, Renka. A produtora cultural e editora MMarte também se organiza enquanto espaço coletivo, com artistas do contexto de arte urbana e underground, como Diogo Rustoff. Hidrolands Grafish Atelier é uma editora de projetos gráficos especiais, mas edita autores e escritores e representa artistas que não têm galeria, como Demir.
Dirigido pelo mineiro Paulo Cesar, que veio a Goiás para um mestrado em História e Patrimônio na UEG, na Cidade de Goiás, o Rensga trabalha com artistas que pensam questões ambientais, sociais e políticas. Instalado há poucos meses em Goiânia, tem um compromisso em ocupar o centro e os espaços intersticiais da vida e da cidade.
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NOVOS MERCADOS
Participam também escritórios goianos voltados ao mercado secundário, a Arte Plena, galeria e produtora cultural dos diretores da Fargo, Wanessa Cruz e Sandro Tôrres, e algumas galerias do mercado primário, como a paulistana Janaina Torres Galeria, a Referência Galeria, do DF, e a Cerrado Galeria, que é atualmente um farol do processo de profissionalização do mercado do centro-oeste. Há um ano em Goiânia e recém-inaugurada em Brasília, a Cerrado tem curadoria de Divino Sobral, importante pesquisador goiano, e representa diversos artistas da região, entre eles, Siron Franco; Dalton Paula, convidado da 60ª Bienal de Veneza; Paulo Pires, convidado para o próximo Panorama da Arte Brasileira do MAM SP; Talles Lopes, que prepara individual para o segundo semestre; e Manuela Costa Silva, artista do projeto Sertão Negro.
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Outra pilastra do projeto de fomento da Fargo são as três categorias de prêmio oferecidas. O Prêmio Estímulo contempla 20 artistas em início de carreira, para apoio de produção. Entre os contemplados deste ano estão Urubu, aluno da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás (FAV UFG). “Faço fotografia em campo expandido e meu trabalho parte da perspectiva autobiográfica de uma dor ancestral”.
Com esses projetos de retroalimentações e trocas, a Fargo se consagra como mediadora de um novo ecossistema das artes, sem paralelo no contexto brasileiro.
OS SERTÕES
Uma semente fundamental da transformação socio-cultural goiana, o Sertão Negro Ateliê e Escola de Artes, concebido pelo artista Dalton Paula e a cineasta Ceiça Ferreira, em 2021, hoje multiplica seus frutos. Há poucos meses, nasceram os projetos de agroecologia Sertão Verde e Sertão Vermelho; o cineclube Maria Grampinho e um projeto habitacional para os artistas residentes. Nasce ali uma vila de artistas. Metaforicamente, podemos dizer que os coletivos independentes e projetos sócio-culturais e ambientais, assim como o Sertão Negro, estão para o sistema da arte como a agroecologia está para a monocultura. Cabe regar e fazer crescer.
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