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O curador da 33a Bienal, Gabriel Pérez-Barreiro. 23/01/2016 © Pedro Ivo Trasferetti / Fundação Bienal de São Paulo
Postado em 13/04/2017 - 6:58
Gabriel Pérez-Barreiro
33ª Bienal de São Paulo não será temática, terá menos artistas e tentará ser mais compreensível. Pérez-Barreiro ainda proclama o fim da era do curador-autor
Márion Strecker

Dois meses depois de anunciado como curador da próxima Bienal de São Paulo, o espanhol Gabriel Pérez-Barreiro tomou a iniciativa de convidar jornalistas para uma primeira rodada de entrevistas. A entrevista para a seLecT durou uma hora. Foi na sede da fundação no Parque Ibirapuera, no dia 6 de abril. Na conversa, ele não adiantou qual será a linha mestra da exposição nem revelou nenhum nome de artista ou curador adjunto, mas afirmou categórico que a bienal não será temática, embora possa ganhar um título, e terá menos artistas. Ele considera ultrapassada a era do curador-autor, defende um sistema operacional transparente e pretende que a exposição seja menor e menos cansativa do que de costume. Ao fim, disse que considera a questão da diversidade muito complexa e muito do nosso momento histórico. E que a arte tem muito a falar sobre isso.

Nascido em La Coruña e formado em história e teoria de arte no Reino Unido (Essex e Aberdeen), ele vive em Nova York, onde dirige a Coleção Patricia Phelps de Cisneros. Nesta entrevista, ele reverencia o pensamento do crítico brasileiro Mario Pedrosa (1900-1981), tema de uma exposição que acaba de curar com Michelle Sommer para o Museu Reina Sofía, em cartaz de 28 de abril a 16 de outubro em Madrid.

seLecT – Como foi a sua contratação e o que você já pensou para a Bienal? O que te fez aceitar o convite e o que está planejando?

Gabriel Pérez-Barreiro – Foi a Bienal que me procurou. No início, eu disse não. Fiz a Bienal do Mercosul, seis anos atrás, e fiquei muito satisfeito com o resultado. Entre o que eu queria fazer e o que foi feito não houve uma erosão. O aparelho Bienal, em geral, não é uma coisa que me interessa. O que me fez aceitar foram várias coisas. A Fundação Bienal está num momento excelente, em processo de consolidação quanto à gestão e a missão. Em outro momento eu não teria aceito. Na primeira conversa com o novo presidente, João Carlos de Figueiredo Ferraz, disse que tenho certa dificuldade com o modelo bienal, como ele geralmente é estruturado. Então ele disse: por isso mesmo é que eu estou te convidando. Então rolou uma outra conversa. Esse modelo que tem se imposto no mundo inteiro, de ter um curador mais autor, surgiu nos anos 1980 e 1990. Antigamente não tinha isso. Tem uns 20 ou 30 anos essa coisa de pegar um tema e fazer uma bienal temática, com muitos artistas, um espetáculo grande. Eu pessoalmente não gosto dessa forma de aproximar da arte. Acho que ele potencialmente limita a leitura que se pode ter. Estou fazendo uma exposição sobre o Mario Pedrosa no Reina Sofía, com Michelle Sommer. Uma coisa que impressiona no Mario Pedrosa é o exercício básico, teórico que ele propõe. Na visão dele, as obras de arte é que devem nos gerar o aparelho de compreensão. É muito do que ele falava da relação afetiva com a obra de arte. Acho que esse modelo curatorial temático vai um pouco contra isso, porque você começa com um assunto e aí sai à procura. E o que eu gostaria de pensar, e esse convite me trouxe, é se seria possível pensar uma estrutura de Bienal que fizesse o contrário. Que tivesse uma relação diferente com a obra de arte que não fosse temática. Essa é a pergunta central que eu estou testando: qual seria a alternativa? Como estaria organizada? Que tipo de pessoa participa? Estou nesse processo. Essa sucessão de perguntas.

 A essas alturas imagino que você não pensa em restaurar a organização por países, rompida a partir da 27a. Bienal, em 2006.

 Não, de jeito nenhum. Temos de achar outro sistema operacional. Foi muito importante essa reestruturação que se deu no modelo da Bienal de São Paulo para que ele pudesse ser mais discursivo, mais coerente. Mas agora já está chegando ao final esse ciclo. Vejo muito nos cursos de formação de curadores que o temático é o único modelo. Por que a Bienal não poderia ser, por exemplo, cinco grandes exposições individuais? Seria um modelo não temático. Ou poderia ser um programa de residência de artistas, em que o artista é convidado a fazer o que ele quer fazer e que isso gerasse uma bienal. Existem tantos outros modelos que não temos necessariamente que seguir mantendo o mesmo sistema operacional.

Então a próxima Bienal não terá um tema e o trabalho curatorial vai começar pela escolha dos artistas?

Não vai ter tema. Temos de pensar que é um evento massivo, são 900 mil pessoas.

E o espaço é gigantesco…

E o espaço é gigantesco. Então tem uma questão de escala que é muito importante. O que a Bienal quer dizer para essas 900 mil pessoas que estão vindo aqui neste prédio gigantesco? Que tipo de mensagem? Que tipo de aproximação? Que tipo de relação se quer gerar? Vejo uma infinidade de formas de responder a essa pergunta. Acho que a Bienal tem o potencial de colocar as obras de arte em contato com o visitante, o que, para mim, é mais importante do que o assunto, o tema que une esses trabalhos. Acho que a pergunta é: como essa bienal vai gerar relacionamento entre seu público e as obras de arte?

Você acha provável que a próxima bienal trabalhe com um número de artistas bem menor?

É um interesse meu, certamente. Acho que a dimensão dificulta a experiência, o relacionamento da arte com o público, inclusive com o público especializado. Eu chego esgotado no terceiro andar. Imagine uma pessoa que não é especialista. Essa é uma tendência que já vem se dando. Se você olhar as últimas bienais, eles já vinham reduzindo, e não por falta de recursos, mas por decisão da curadoria. Já existe uma consciência no nosso campo de que a sobredimensão de uma bienal é uma coisa que conspira contra a qualidade. Houve um momento mais festivo que o nosso que era “quanto maior, melhor”. Agora qualquer profissional vai falar: é mais importante focar a qualidade da experiência e a possibilidade de apreensão real do que a quantidade. Acho que a Bienal deve ser do tamanho dos seus conteúdos e não do tamanho do seu prédio.

Você viu “A Grande Tela”? [grande corredor repleto de pinturas na 18ª Bienal de São Paulo, curada por Sheila Leirner em 1985]

Não vi. Só conheço por referência. Nesse processo de afirmação do curador como quase equivalente ao artista, esse foi um momento crucial, foi um ápice. Foi um ponto marcante, que fecha um processo e inicia outro. Talvez agora estejamos chegando no final desse ciclo. O museu tem uma necessidade de continuidade, estabilidade; uma bienal obriga a uma reinvenção, tem de tocar os limites de uma exposição. Nesse sentido, a Grande Tela foi um limite, mas que ninguém sabia que era um limite até alguém fazer. Foi impactante, até hoje as pessoas lembram. Não é o que me interessa, mas também porque não estou em 1985. Todo dia passo por esses cartazes de todas as bienais e é muito impressionante ver tudo o que foi feito, como se traça um caminho até aqui. Na 33ª, quando eu finalizar essa edição, a próxima pessoa que vier já vai ver essa experiência. Acho bonito ver essa sedimentação, de como se vai construindo. A bienal tem uma estrutura permanente para fazer estruturas impermanentes. Até do ponto de vista de gestão é um grande desafio. Acho que está num momento histórico na sua gestão que já está muito bem resolvido. Tem uma equipe que já fez várias edições, tem o saber fazer, ao mesmo tempo que tem uma abertura para mudar esses saberes e esses fazeres.

Você acha que vai haver na Bienal um outro campo de atividades que não seja o espectador com a obra?

Os conteúdos ainda não sei, mas acho que desse contato você pode gerar um monte de atividades. A partir desse encontro de um visitante com uma obra de arte, aí começa a parte rica, a parte interessante que é a mediação. As bienais brasileiras se apresentam -diferentemente da maioria das outras, como Veneza, Documenta – com um forte aparelho educativo. Tem sido feito tanto na Bienal do Mercosul quanto na Bienal de São Paulo uma construção de experiências para apoiar. Essa mediação tem muitas formas: palestras, publicações, áudio, aplicativo, obra de teatro, tem muitas formas para fazer isso. Tudo isso fortalece e multiplica a possibilidade da bienal, mas acho que tudo tem de vir de um desejo de mediação. Achei na instituição esse grande aparelho de mediação. E acho que quanto mais variado, mais diverso e mais amplo ele é, melhor.

A Bienal de São Paulo continuará sobretudo voltada à arte contemporânea?

Houve numa época importantes núcleos históricos. E pode haver, se responder a uma questão contemporânea. A Bienal deve olhar para o momento e para o futuro, ao mesmo tempo que tem consciência do passado. Diferentemente do museu, a Bienal não tem obrigação com esse patrimônio histórico. Mas tudo vale desde que não seja a melancolia de se querer morar no passado. Mas se o passado vem para colocar o presente de uma outra forma, então vale, tudo é material de trabalho legítimo.

Vai haver uma equipe de curadores trabalhando com você?

Vai ter uma equipe. Não tem como fazer isto sozinho. É um trabalho coletivo. Estou pensando em quais são os focos e as sensibilidades que eu não tenho para me acompanhar.

Você já está visualizando alguns artistas aqui?

Ainda não. Insisto muito nesse processo de começar com análise e aí tentar criar uma estrutura que dê conta dessas questões colocadas. E essa estrutura é que vai chegar aos conteúdos. Eu não cheguei com uma lista.

Quando a gente fez a Bienal do Mercosul, por exemplo, tinha uma exposição chamada Conversas, que eram artistas convidando outros artistas. O processo gerava conteúdo. Acho importante respeitar esses processos na construção de uma exposição. Se eu escolher tudo, a Bienal vai ficar muito limitada por minhas limitações. Acho que justamente quando a gente traz uma equipe é para poder superar e diversificar as limitações que cada indivíduo tem. Esse projeto supera a dimensão de um indivíduo.

Das Bienais de SP que você viu, quais as que você mais gostou?

Dos últimos 15 anos eu vi todas menos essa última, infelizmente. Pelo que vejo nos materiais foi muito bem sucedida. Acho que todas trouxeram questões bem-resolvidas e outras menos. Numa Bienal com 300 artistas, você fala com as pessoas e elas lembram de um, dois, três artistas no máximo de cada edição. A Bienal da Lisette Lagnado foi a primeira que eu vi, acho, e trouxe uma energia nova. A Bienal do Vazio foi superproblemática, um gesto difícil de se interpretar, novamente foi um outro extremo, da não autoria, vista de uma outra forma. A do Charles Esche foi altamente política e contestadora, e agressiva talvez um pouco na relação. Acho que cada um deles trouxe uma questão importante. Não saberia dizer qual gostei mais.

Você acha que uma bienal desse porte demanda obras gigantescas?

Eu gostaria de pensar que não. Um dos grandes desafios aqui, é que a arquitetura tem um protagonismo, um caráter. É uma pena colocar arte a serviço do prédio. Acho que tem de se fazer um acordo de paz entre os dois, porque também não tem como negar esse prédio. Isso é o que eu chamo de coreografia. Que momento e de que forma você vai encontrar com esse trabalho para você realmente vê-lo, no seu contexto, e não perder a noção de onde você está. Acho que a curadoria tem muito a ver com isso. E eu realmente gostaria de pensar que é possível manter a intimidade de um trabalho pequeno na mesma escala que um trabalho grande. Porque essa coisa de precisar do espetáculo… Tudo bem, tem obra espetacular que essa é a sua linguagem, está tudo bem. Mas se você só dá prioridade a isso, acho um pouco triste.

Houve algum pedido da presidência quanto ao trabalho que você vai desempenhar aqui?

Não. O que houve nessa primeira conversa, quando João Carlos me explicou por que tinha me procurado, eu falei: então tá certo. Porque qualquer outra conversa não iria me interessar. Se ele tivesse me dito, olha, a gente quer fazer uma Bienal imensa, com o dobro de número de trabalhos superespetaculares, eu teria dito obrigado, mas não é comigo. Acho que esse presidente tem uma paixão pela arte, um envolvimento. Quando eu conheci o instituto, que é um projeto pessoal dele, quando eu vi o caráter educativo na cidade onde ele está [Ribeirão Preto, SP], que é uma cidade que não tem muita estrutura cultural… percebi uma característica de que gostei muito. A estratégia que eles têm é… quase todos os meninos da cidade vão ao instituto. Eles fazem uma visita de uma hora para ver um trabalho. Eles não vão para visitar toda a instituição. Eu já gostei. Então acho que houve uma simpatia em algumas questões: essa atenção, essa relação afetiva, que é um termo do Mario Pedrosa, esse encontro, priorizando o tempo e a qualidade da experiência com uma visão artística, houve uma simpatia nesse sentido. Das bienais do mundo, eu acho que esta é a que menos restrição dá. Na Itália, você tem pavilhões, a cidade de Veneza, uma estrutura infernal, uma burocracia pública que está cheia de limitações e problemas. Essa bienal aqui tem uma tradição de oferecer uma liberdade absoluta para o curador e eu estou trabalhando com essa liberdade absoluta. Quando eu falo que vamos colocar cinco artistas, não que eu vá fazer isso, não vejo uma limitação… eu vejo aqui uma estrutura a serviço do projeto.

Você não sentiu uma preocupação com os números do público? Não há meta de público?

Acho que a Bienal está certa em se orgulhar disso. São números incríveis. Agora saiu essa lista das principais exposições visitadas do mundo, na The Art Newspaper, e a Bienal de São Paulo está entre elas. Acho que essa é uma conquista incrível. Espero que continue assim. Mas quero priorizar a qualidade. O desafio que esse número representa. Mas ninguém me falou: você tem de chegar a 1 milhão de visitantes.

Você está morando em São Paulo?

Nessa primeira fase, tem muita viagem de pesquisa também, para outros países e lugares. Por enquanto minha residência principal vai continuar em Nova York, é difícil para mim mudar isto.

Você tem família, filhos?

Eu tenho um filho que está na escola, numa escola em que ele precisa estar. Ele vai continuar lá. Então eu vou ficar viajando quando precisar e quanto mais se aproxima a Bienal mais tempo eu vou ficar. E na reta final tenho que estar aqui e são férias escolares, então funciona bem, porque ele pode me acompanhar. A partir de agora eu tenho uma agenda intensíssima de viagens. Tenho de estar aqui mas também tenho de estar em outros lugares. Vou a outras bienais, Kassel com certeza, e agora que estou pensando na equipe tenho de pesquisar, ver. Algumas viagens são convites, outras a Bienal é que paga. Faz parte. A Bienal nasce em 1951 para colocar o Brasil no mapa internacional. O mundo mudou, se globalizou muito nesses últimos anos, mas ao mesmo tempo ela é uma bienal brasileira, o Brasil tem um lugar importantíssimo nessa Bienal e é importantíssima para a América Latina e tem esse aspecto internacional. É preciso pensar o diálogo entre esses três blocos. Apesar da globalização, a questão não desaparece. Acho que não cabe fazer uma Bienal que não tenha artista brasileiro. Não cabe fazer uma Bienal que não tenha artista internacional. Nunca dá para falar que uma coisa não cabe! Até seria uma proposta interessante fazer uma bienal só de arte brasileira ou só de arte estrangeira. Teve um Panorama da Arte Brasileira que não tinha artista brasileiro [em 2009, curado por Adriano Pedrosa]. Tudo é aberto para ser mexido. Mas eu vou equilibrar.

Você imagina promover residências artísticas?

Se couber no projeto, sim. Sei que há uma parceria com a FAAP aqui e acho uma coisa ótima, espero poder aproveitar isso. Mas acho que tem de ter o cuidado de não inventar programas porque existe a possibilidade de fazer, mas porque ali se esconde alguma necessidade do projeto central. Tem muitos artistas que se interessam por São Paulo, e isso traz um aspecto de qualidade para a Bienal.

Já que não vai se expressar por um tema, nem por uma lista prévia de artistas, nem por uma linguagem, como seu projeto vai se expressar?

Esse é o nosso desafio. Espero que quando se expresse fique superclaro. Na 6ª Bienal do Mercosul a gente tinha um título. Título é diferente de tema. O nosso título era “A Terceira Margem do Rio”. Não era uma bienal que falava de rios, de barcas… Quando a gente anunciou o título já começaram a chegar propostas: tenho uma instalação que tem uma barca num rio… Mas a ideia era falar disso como uma metáfora, da construção de significado, da mediação, então precisa de uma imagem que organize e que ajude a pensar o conteúdo, eu acho que isso é diferente de um tema. O tema tenta comentar uma realidade externa à arte. Uma metáfora permite entrar em questões próprias da arte. Eu pretendo que, quando o projeto for lançado, ele tenha um fio condutor. Ela precisa disso, uma bienal não pode ser randômica. Bom, aí vai chegar alguém e dizer que vou tirar nomes aleatoriamente na internet. Tudo bem. Acho que tudo que for transparente no critério do seu sistema é válido. Sinto uma grande pressão, bem recebida, de que a estrutura tem de ser compreensível para o público. Esse é o desafio.

A Bienal andou trabalhando com títulos, sejam eles considerados temas ou não, com títulos muito abertos, muito sujeitos a interpretações. Por exemplo: “Como Viver Junto”, título tirado de um livro de Roland Barthes.

Essa Bienal tinha um forte aspecto social e político. Então era fácil fazer uma conexão. Eu concordo: “Como Viver Junto” tem 360 graus de interpretação. Até achei dos títulos mais bonitos utilizados no passado. Mas acho que a intencionalidade desse título era dar um determinado tipo de leitura social e política sobre a arte. Talvez esteja errado. Outro título que achei fantástico, a exposição nem tanto, foi a “Bienal do Vazio”. Uma das primeiras coisas que eu pensei foi: que pena que esse título já foi usado. Porque tem um potencial e se relaciona com a história da Bienal. E foi uma Bienal que recuperou o arquivo. As primeiras bienais não tiveram título. Acho que “A Grande Tela”, que foi a primeira que trabalhou com um título formal que queria expressar uma intenção curatorial. Acho que a questão não é ter título ou não ter título, e mais se esse título tem uma intenção de organizar o conteúdo ou não. Você pode organizar uma experiência, mas não um tipo de arte. Uma das hipóteses para trabalhar é por que não ter sete exposições diferentes numa bienal? Por que tem de ser uma exposição com um assunto? Por que não podem ser sete exposições com sete assuntos? Poderia ser uma coisa formalista, outra mais social, outra mais pintura e outra performance? Acho que tem um pouco essa ideia que uma bienal tem de escolher, defender uma linguagem ou um assunto em cima de outros, que acho que, novamente, foi supernecessário num momento para organizar, acho que foi importante fazer esses statements, mas acho que o nosso assunto hoje social é essa questão da diversidade, entendida com um sentido mais amplo, como enfrentar realidades que às vezes estão em conflito uma com a outra. Não tentar unir e fazer um statement sobre o estado da arte hoje. Eu não sinto nenhuma vontade nem autoridade para falar isto. A minha função não é essa. Sei lá, é uma infinidade de coisas. Eu posso fazer um recorte, posso tentar organizar isso de alguma forma mas não dizer que a arte é isso ou aquilo. Isso também é uma sensibilidade comum hoje. A diversidade é um conceito muito importante. Também para a formação da equipe.

A Bienal tem formado equipes multinacionais de curadores.

Agora há muita conversa sobre diversidade. E ainda por cima, para complicar mais, existe a diversidade cognitiva. Quer dizer, como as pessoas pensam diferente. Por exemplo, você pode ter um homem branco e uma mulher negra que por xis motivos pensam do mesmo jeito. Num nível você resolveu o problema de diversidade, mas se eles pensam do mesmo jeito talvez não. E talvez tenham duas pessoas do mesmo grupo étnico, econômico etc. que realmente têm uma diversidade na forma de pensar. Essa questão da diversidade é muito complexa, atravessa de tantas formas diferentes. Acho que a arte tem muito a falar sobre isso. Porque justamente uma obra em encontro com um universo articulado, organizado, entra em conflito e em ressonância com tudo ao redor. São questões do nosso momento histórico.