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Detalhe da escultura Dançarina Celestial (Devata), Índia Central, Madhya Pradesh, meados do século 11, em exibição no Met Quinta Avenida, na galeria 241 [Foto: Reprodução/metmuseum.org]
Postado em 21/03/2023 - 3:44
Mais de 1.000 objetos no Metropolitan ligados ao contrabando
Rhea Nayyar, pesquisadora de arte e minorias, relata os achados do relatório do International Consortium of Investigative Journalists, sobre artefatos traficados ilicitamente na coleção do Met

O Metropolitan Museum of Art, de Nova York, possui mais de 1.000 objetos que pertenceram a pessoas que foram acusadas ou condenadas por crimes relacionados a antiguidades, de acordo com um relatório publicado hoje pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ). Dos 1.109 objetos em questão, 309 deles estão atualmente em exibição em todo o museu, incluindo artefatos ligados a negociantes de arte em desgraça, como Subhash Kapoor e Douglas Latchford.

Spencer Woodman, um dos repórteres, disse ao Hyperallergic por e-mail que, no ano passado, o Met “teve mais apreensões pelas autoridades policiais do que em qualquer outro momento de sua história”. A série de apreensões levantou questões para Woodman sobre quantos objetos na coleção do Met poderiam ser atribuídos a pessoas ligadas ao comércio ilegal de antiguidades. “Pensamos que um ponto de partida básico seria fazer a pergunta jornalisticamente simples sobre quantas peças o catálogo do Met vincula a pessoas que foram acusadas ou condenadas por crimes relacionados a antiguidades”, explica Woodman. “A resposta – mais de mil – nos surpreendeu.”

O relatório do ICIJ afirma que menos de 50% dos 1.109 objetos possuem registros de saída de seu país de origem. Por exemplo, o ICIJ alega que apenas três dos 250 objetos em questão do Nepal e da Caxemira têm registros de origem e, de 94 relíquias da Caxemira em particular, apenas quatro têm registros de propriedade anteriores a 1970, ano em que a Unesco adotou novos padrões de proveniência de objetos no interesse de proteger os bens culturais do tráfico.

Figura sentada de um grupo, Nepal (Vale de Katmandu), ca. século 11, escultura de bronze do Nepal, Doação de Samuel Eilenberg, 1987 [Foto: Reprodução/metmuseum.org]

Outra repórter que colaborou na apuração, Malia Politzer disse ao Hyperallergic que o relatório se concentrou principalmente em artefatos nepaleses e da Caxemira porque as datas de aquisição relacionadas no Metropolitan estavam alinhadas com os anos em que as regiões estavam sendo saqueadas em meio a conflitos. “Até 1950, o Nepal era basicamente fechado para estrangeiros, o que significa que não havia muito mercado para antiguidades”, explica Politzer. “Então, em 1956, o país aprovou uma lei que proíbe a exportação de bens culturais. Essa é uma janela de aquisição extremamente estreita. E se você olhar para a primeira proveniência da maioria das antiguidades nepalesas no Met, essa data é quase sempre posterior a 1956 – o que sugere fortemente que os itens foram saqueados”.

Em resposta ao pedido da Hyperallergic para comentários sobre as descobertas do ICIJ, um porta-voz do Metropolitan disse: “Claramente, os padrões de colecionismo mudaram nas últimas décadas – como é muito aparente em uma leitura contemporânea das palavras do diretor do Met de meio século atrás. O campo evoluiu e o Metropolitan tem sido um líder nesse progresso”, continuou o porta-voz. “Além do nosso compromisso com todas as leis e normas profissionais, nossas ações são pautadas por três atividades: pesquisa, transparência e colaboração. Este trabalho é descrito detalhadamente em metmuseum.org, que também lista muitos dos retornos recentes que fizemos por nossa própria iniciativa, incluindo quatro para o Nepal.”

O relatório destaca a história de aquisição anteriormente não monitorada do Met como o modelo para a atual situação de apreensão e repatriação do museu. Sendo mais de um século mais jovem do que os equivalentes europeus, como o Museu Britânico, em Londres, e o Louvre, em Paris, o Metropolitan realizou uma onda de compras massivas na década de 1960, liderada pelo ex-diretor do museu Thomas Hoving. Em um esforço para competir com instituições do outro lado do oceano, Hoving e sua administração museal se concentraram em revigorar sua coleção de antiguidades, independentemente de como os objetos foram adquiridos, diz o relatório do ICIJ.

Apenas três dos 250 objetos em questão do Nepal e da Caxemira têm registros de origem e, de 94 relíquias da Caxemira em particular, apenas quatro têm registros de propriedade anteriores a 1970, ano em que a Unesco adotou novos padrões de proveniência de objetos no interesse de proteger os bens culturais do tráfico

O ICIJ cita as condenáveis memórias de Hoving de 1994, repletas de referências a objetos contrabandeados ilicitamente do exterior, ao longo do relatório. Como diretor do Metropolitan Museum de 1967 a 1977, Hoving escreveu sobre a aprovação da aquisição de um grande lote de antiguidades do Camboja e da Índia, apesar de sua suspeita de que elas foram contrabandeadas para o país, e sobre o seu catálogo de endereços de “contrabandistas e consertadores” e outros conhecidos do mundo da arte, que “era mais longo do que o de qualquer outra pessoa no meio”.

Dito isto, tudo indica que algumas antiguidades parecem estar escapando pelas rachaduras, incluindo esta escultura de arenito de origem indiana de uma dançarina celestial (Devata) ligada ao negociante de antiguidades em desgraça Subhash Kapoor e sua galeria Art of the Past, doada por Florence e Herbert Irving em 2015.

Leia o texto original no site da Hyperallergic

Leia o caderno especial VIRADA PATRIMONIAL na seLecT_ceLesTe #57, que traz entrevista de Márcio Seligmann-Silva com Bénédicte Savoy, professora da Universidade Técnica de Berlim e uma das mais reconhecidas estudiosas do tema das obras de arte saqueadas durante a era colonial; reportagens sobre a Red List Brasil e sobre o futuro do acervo do Museu Internacional de Arte Naïf

[tradução: Juliana Monachesi]

Dançarina Celestial (Devata), Índia Central, Madhya Pradesh, meados do século 11, em exibição no Met Quinta Avenida, na galeria 241 [Foto: Reprodução/metmuseum.org]