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Estímulos Emocionais (2020) faz uso de neurociência e psicologia (Foto: Divulgação).
Postado em 31/08/2020 - 9:17
Entre bits e bricks
Guto Requena transita entre ciência, arquitetura e design para repensar o impacto da tecnologia sobre o corpo no espaço

Guto Requena é um arquiteto em trânsito. Está sempre no fluxo, operando entre as coisas e as camadas informacionais que constituem a cidade contemporânea. Aboliu desde sempre os limites entre arte, design e arquitetura, entre real e virtual. Tem uma especial inclinação por tecnologias emergentes e por combinações inusitadas entre softwares e matérias orgânicas e inorgânicas, como usar o áudio dos batimentos cardíacos de um bebê na barriga da mãe, os de um idoso de 80 anos e de um jovem de 30 para transformá-los em parâmetros que definiram as linhas da luminária Life Lamp (2018), fabricada digitalmente.
Integrou por nove anos o grupo nomads.usp, liderado pelo professor Marcelo Tramontano. Baseado no Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP em São Carlos, onde Requena estudou e defendeu seu mestrado, o nomads existe desde o começo dos anos 2000 e dedica-se à investigação de ambientes híbridos, nos quais se sobrepõem instâncias físicas e virtuais. Pode-se dizer que essa é a forma que definiu os contornos do trabalho que Guto Requena cria e desenvolve junto ao seu estúdio, em operação desde 2008.
Em Love Project (2014), que ele define como trabalho de “design performance”, Requena gravou as ondas cerebrais do público, enquanto contavam histórias pessoais de amor. Essas ondas foram utilizadas como input de uma impressora 3D que imprimia mandalas de cada visitante. No premiado projeto Light Creature (2015), ele implantou uma fachada interativa no WZ Hotel, cujas cores mudam em conformidade com as condições atmosféricas da cidade de São Paulo, funcionando como um farol informativo da poluição. A leitura dessas informações é feita por sensores de ruído, que traduzem o impacto dos carros como dados sobre a poluição do ar, variando a cor do prédio de vermelho (péssimo) a verde (excelente).

Em fachada de edifício implantada em 2015, em São Paulo, cores mudam de acordo com as condições atmosféricas (Foto: Divulgação)

No campo da arte pública, vertente a que vem se dedicando há alguns anos, Requena expressa seu viés mais político e orientado para políticas públicas, especialmente às voltadas a pautas da comunidade LGBTQ+. Partindo do fato de que o Brasil é o país com mais pessoas desses grupos que foram assassinadas em 2017, implantou uma escultura generativa (processo em que rotinas de programação geram comportamentos específicos) que procurava mobilizar a consciência social para esse tema, sem perder de vista sua relação com o espaço urbano.
O local escolhido, por isso, foi a Praça da República, no Centro de São Paulo. Requena afirma que essa escolha se deu por dois fatores: “Por ser o local onde o primeiro encontro dos ativistas LGBTQ+ aconteceu, em 1978, e por ser um ponto da cidade onde a diversidade e as desigualdades da sociedade brasileira são vistas diariamente, nos muitos passantes e inúmeros desabrigados que se congregam na região.”
Intitulada Meu Coração Bate Como o Seu (2018), dispunha de um sistema de som interno que transmitia depoimentos de ativistas sobre suas experiências. O som de seus batimentos cardíacos era trabalhado por um algoritmo como sinais rítmicos da iluminação noturna do projeto. Pensada também como mobiliário urbano, a peça funcionava como banco coletivo e lugar de compartilhamento e descanso.
Sua obra mais recente, Estímulos Emocionais (2020), foi vítima da Covid-19 e ficou somente quatro dias aberta ao público. Instalação inédita desenvolvida para sua primeira exposição na cidade em que nasceu, Sorocaba, tinha por isso um sentido especial para esse arquiteto que participou de mais de 200 eventos e exposições internacionais. Sintetiza, diz Guto Requena, todas as direções de pesquisa com que se envolveu desde os tempos do IAU-USP, incorporando novos elementos vindos da neurociência e da psicologia. Explorando de ondas cerebrais a música ambiente, produzia uma interface ao vivo para mobilizar interações afetivas e conexões entre as pessoas a partir de variáveis não visíveis no contexto social em que vivem.
Aguardando a possibilidade de retomar a obra em um futuro, todavia incerto, ele trabalha em um aplicativo para as pessoas se comunicarem pela troca de seus batimentos cardíacos, via WhatsApp. De certa forma, isso arremata uma marca que atravessa o conjunto da sua produção. Nela, o que importa não é o uso que se faz das novas tecnologias, mas sim o questionamento sobre como os processos de digitalização da cultura implicam repensar a arquitetura e as novas configurações do corpo no espaço.