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(Foto: Jennifer Glassha)
Postado em 09/02/2023 - 3:40
Mulheres na linha de frente
Adaptação teatral do romance Parque Industrial, de Pagu, apresenta condições de trabalho de mulheres que ainda reverberam hoje

Onze mulheres em cena. Homens manequins, homens objetos. Narrativas se constroem, narrativas se dissipam. No plano de fundo, projeções de Rosa Luxemburgo, Pagu, Dilma e Marielle se misturam com as atrizes. Mulheres se misturam, tempos se misturam, músicas se misturam, imagens se misturam.

O romance proletário Parque Industrial (1933), da escritora e ativista política Pagu – sob o pseudônimo de Mara Lobo -, ganha atualidade na adaptação teatral da diretora Gilka Verana, em cartaz até o dia 16/2 na Oficina Oswald de Andrade. Condições de gênero e classe de mulheres trabalhadoras do bairro do Brás, em São Paulo, no início do século 20 reverberam as condições precárias de trabalho que as mulheres ainda enfrentam na atualidade.

Publicado dez anos depois da Semana de 1922, o romance marxista de Patrícia Galvão é um dos marcos de estética e política na literatura brasileira. Vanguardista e revolucionário, o texto é carregado de vivências do Partido Comunista e de proletários acompanhadas por frases curtas e diretas que imprimem o ritmo industrial acelerado.

A peça segue a forma do texto, com cenas descontinuadas do cotidiano das trabalhadoras que parecem colagens de várias situações que se juntam e mostram o contexto de precarização do trabalho industrial. Com elenco e equipe só de mulheres, os papéis em cena são intercambiáveis, não há protagonistas nem heroínas. Os homens são os objetos, não os sujeitos. A presença masculina aparece na forma de cadeiras, máscaras e texto escrito, paletó, gravata, pênis gigante de espuma como um totem flácido.

 

(Foto: Jennifer Glassha)

A dramaturgia se estrutura em camadas: a primeira é a narrativa do romance pelo coro de operárias; em seguida as projeções em vídeo de documentos históricos diversos do presente e passado, desde cartazes e cenário de São Paulo dos anos 1930 até depoimentos de Dilma durante o impeachment e de Marielle no dia 8 de março; a música ao vivo, presente em todas as cenas; e por fim, a camada Pagu como personagem, através de fragmentos de seus poemas e artigos. Literatura, dramaturgia, cinema e música se entrelaçam nessa polifônica montagem.

As músicas e projeções misturam constantemente elementos do passado e do presente, embaralhando a noção de tempo quando se afastam de um tempo cronológico e mostram um tempo congelado – como os figurinos sintéticos que poderiam ser usados tanto nos anos 1930 quanto agora.

As discussões sobre machismo, exploração da mulher, assédio no trabalho, violência doméstica e desigualdade de classe e gênero do romance de 1933 ainda permeiam a participação feminina no cenário brasileiro atual. Depois de 90 anos, a peça apresenta uma condição próxima a das mulheres, trabalhadoras e artistas de hoje, e o modo como o protagonismo feminino ainda enfrenta as mazelas produzidas pelo capitalismo, refletindo uma situação de trabalho precarizada não presente somente nas fábricas, mas em outros contextos.

Na medida em que a estrutura de produção artística e cultural contemporânea está inserida na lógica do mercado e da produtividade, a condição de trabalho nesse meio torna-se cada vez mais intermitente e incerta. Ainda com as particularidades do contexto trabalhista do romance Parque Industrial nos anos 1930 e da adaptação teatral em 2023, a dramaturgia também provoca a reflexão a respeito do próprio trabalho no campo da arte hoje.

As vozes femininas da peça junto à voz de Pagu instigam o confronto em uma discussão que coloca as mulheres na linha de frente. Mulheres como sujeitos da luta anticapitalista.

SERVIÇO
Parque Industrial
Até 16/2, de terça a sexta (19h30) e sábado (14h30 e 18h)
Oficina Cultural Oswald de Andrade
Rua Três Rios, 363 – Bom Retiro
Gratuito – retirada de ingresso uma hora antes

(Foto: Jennifer Glassha)
Tags  
parque industrial   pagu   nina lins   teatro