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Ateliê Aberto 9 produzido pelo Torreão nos Pampas Gaúchos (Foto: Jailton Moreira)
Postado em 07/10/2019 - 11:18
Escolas de artistas: Torreão
O espaço em Porto Alegre reuniu projetos site-specific, residências e ateliês

Em uma série de reportagens, a seLecT apresenta escolas idealizadas e geridas por artistas nacionais e internacionais, históricos e em atividade. A especificidade desses projetos está na transformação dos modelos de ensino e de trocas, isto é, como os afetos e conhecimentos são transmitidos e como podem gerar novas dinâmicas de organização do espaço ou da economia desses centros de reflexão e prática. 

Torreão
Porto Alegre, 1993-2009

O Torreão surgiu da experiência de Jailton Moreira em uma escolinha para crianças e adolescentes, somado à parceria com a artista Elida Tessler e ao interesse dos pais dos alunos em também exercerem e discutir arte. “Foi um projeto surgido numa mesa de bar”, diz o fundador do projeto. “Precisávamos de um espaço maior e o objetivo era propor aulas não regulares, mas uma orientação e também espaço de ateliê”.  

Vista externa do Torreão (Foto: Jailton Moreira)

O espaço escolhido foi uma casa no bairro do Bom Fim, Porto Alegre, com uma diversidade de salas e uma torre sem janelas, de formato regular. “O espaço produziu novas demandas, pois a torre era um espaço em potencial para projetos artísticos, além das aulas”, diz Moreira. A partir daí, o Torreão funcionou em duas frentes, uma interna, ligada à educação, prática e reflexão, e uma pública, na medida em que as intervenções nessa torre gerava uma visibilidade externa, gerando uma relação com os passantes da rua. 

Em 16 anos, foram cerca de 80 intervenções, realizadas por artistas como Dudi Maia Rosa, Elida Tessler, Regina Silveira, Arthur Barrio, Eduardo Frota, Marcelo Silveira, entre outros de diferentes nacionalidades e gerações. O objetivo era produzir seis intervenções por ano, duas de artistas reconhecidos, duas de artistas em início de carreira e duas internacionais, o que nem sempre era possível. Também não bastava ser aluno para ser convidado para uma intervenção na torre. 

A intervenção Desaparência (2001) de Regina Silveira no Torreão (Foto: Reprodução)

Sobre o financiamento desses projetos, Moreira comenta: “Os artistas bancavam suas próprias intervenções e raramente tínhamos algum tipo de parceria institucional, mas, por exemplo, quando o MARGS trouxe o Waltércio Caldas, pegamos uma carona e o convidamos para uma intervenção em nosso espaço”. Entre outras formas de viabilização do espaço, além da renda gerada pelos alunos – pois as aulas eram pagas –, houve um convênio com o Instituto Goethe, que promovia residências de um mês no Torreão para artistas alemães, o que durou mais de dez anos.

Fora do eixo

O Torreão também foi uma rede que superava as barreiras geográficas e culturais do Sul em relação ao eixo Rio-São Paulo. Através de uma série de parcerias institucionais e afetivas, com universidades e artistas como Gê Orthof, Raquel Stolf, entre outros, o espaço criava conexões com Brasília, Fortaleza, Recife, sem a mediação dos pólos econômicos do meio de arte. “Isso aconteceu de forma orgânica, entendemos conforme acontecia, mas também se tornou um posicionamento”, diz Moreira. 

O programa letivo tinha em média 35 alunos anuais, divididos em alunos “chapolin”, que apenas frequentavam as aulas durante os períodos letivos, e alunos “chave” que possuíam acesso ao espaço e permissão para trabalhar a qualquer momento do dia e também nas férias. 

A ênfase estava no processo. Diferentemente do que se convencionou por “ateliê aberto” – um dia em que os artistas recebem o público em seus espaços de trabalho para mostrar o seu “processo” –, o Torreão compreendia o projeto Ateliê Aberto como um ateliê expandido, quando o artista se propõe a outras situações e espaços de produção, como a rua, a montanha ou o deserto. “Os Ateliês Abertos surgiram da vontade de levar o aluno para o olho do furacão, colocando-os em situações estranhas, para que pudéssemos conversar no meio da situação e não depois ou antes. Isso criou uma conexão muito grande entre os grupos”, diz Moreira. 

Outros projetos eram o Terça Texto, Terça no Cinema, ou as Conversas Nômades – viagens culturais nas quais não se produziam novos trabalhos, mas se visitava museus, galerias e se discutia a história local, não apenas nos lugares mainstream da rota de arte, mas também em zonas de turbulência, como o Vietnã. 

Reverberações

Entre os alumni do Torreão estão o artista Rommulo Vieira da Conceição, e os curadores Gabriela Motta, Eduardo Veras, Fernanda Albuquerque, entre outros. “O objetivo não era só a formação de artistas, mas abranger um público geral que estava interessado em arte. Tinha alunos de mestrado e doutorado da UFRGS, junto a publicitários, donas de casa, historiadores, etc”. 

O projeto foi convidado para participar do Arte Cidade, com curadoria de Nelson Brissac, e do 29o Panorama no MAM, com curadoria de Felipe Chaimovich, que incluiu pequenos documentários sobre os Ateliês Abertos, ainda que os participantes da escola não se identificassem como um grupo. O Torreão também foi objeto de estudo da tese de doutorado Lugar de Rastros, de Paula Luersen, na qual a pesquisadora analisa o projeto pela perspectiva de quem passou por ali – tanto alunos, quanto artistas convidados e residentes, através de entrevistas e catalogação de arquivos, sem recorrer ao depoimento Elida Tessler e Jailton Moreira, gestores do espaço. 

O fim

“O fim do projeto aconteceu por uma questão muito prosaica: o dono do espaço pediu o imóvel de volta, já que era alugado. O grupo continua, mas sem a torre. Ainda temos o projeto Conversas Nômades e realizamos os Ateliês Abertos. O que era importante no Torreão não era a arquitetura, mas a ideia de um local de encontro que, na verdade, não morreu. Perdemos o espaço prático do ateliê e a torre das intervenções, mas ganhamos em expansão, porque estamos em vários lugares. O processo de ensino está totalmente ativo, efetivo e desdobrado, mas sem a arquitetura, o que nos dá a vantagem do deslocamento”, pontua Moreira.